Episódio 2

Temporada Álbum de recordação BSB

Varnhagen em Formosa – EP2 | Dazumana #48

Varnhagen… Van o quê? Pode chamar de Visconde de Porto Seguro. Neste episódio, com o apoio da jornalista Juliana Freitas, vamos conhecer um personagem que, enquanto viveu, queria entrar para a história. Ele fez a primeira indicação, com exatidão, para a nova capital. Vamos conhecer a viagem desse visconde e ouvir os argumentos para a transferência da capital para o Planalto Central.

Sobre o episódio

Entenda mais sobre este conteúdo

Juliana: Olá, está começando mais um Dazumana com a temporada especial “álbum de recordação BSB – memórias e valores do DF”. Vamos percorrer as histórias e estórias, as origens e os mitos fundadores da capital e das regiões administrativas.

Leyberson: “Brasília nasceu de um sonho, mas este não foi o sonho de apenas um homem, antes de JK, muitos intelectuais e políticos se mobilizaram para que a ideia da capital no centro do país fosse levada adiante, entre nomes como Hipólito José da Costa, José Bonifácio e Luiz Cruz, está Francisco Adolfo de Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro.”

Juliana: Este é um trechinho do livro reportagem elaborado pela Juliana Freitas que volta ao tempo conosco no episódio de hoje. Olá Juliana, tudo bem?

Juliana Freitas: Oi gente, tudo bem? É um prazer estar aqui com vocês.

Leyberson: Olá Juliana, o prazer é nosso. A gente aí que já se encontrou nos corredores da Universidade de Brasília em alguns momentos, é bom a gente tá aqui agora falando sobre esse personagem que, para mim, é bastante curioso. Mas antes a gente vai ler o currículo lattes da nossa ilustre convidada, a Juliana Freitas que tá aqui com a gente. É analista de mídias sociais, trabalhando com campanhas publicitárias no Tribunal Superior Eleitoral. Ela é graduada em comunicação social com habilitação em jornalismo. Desde 2015 atua na área de mídias digitais em Brasília, mostrando ser capaz de transitar no mercado público e privado. Já atuou em grandes eventos como Campus Party, São Paulo Fashion Week, Congresso de Inovação da Indústria e Encontro Nacional do Poder Judiciário. Tem aptidão para construir textos criativos e planejar campanhas. O seu TCC de graduação em jornalismo foi um livro-reportagem intitulado “A viagem do Visconde: Varnhagen e a capital no interior do Brasil”. É isso mesmo, Ju. Faltou alguma coisa? O nome dele fala assim mesmo?

Juliana Freitas: É assim mesmo, Varnhagen, né? Eu não me sinto mais tão íntima dele, né? Tô um pouco afastada dele nesses últimos anos, mas esse nome eu pronunciei bastante durante um período, é Varnhagen mesmo. O Varnhagen é brasileiro, ele nasceu aqui, mas ele foi para Portugal com 8 anos de idade, se não me engano, para estudar. O pai dele é alemão e a mãe é portuguesa, mas ele nasceu aqui no Brasil mesmo e foi para Portugal ainda criança.

Juliana: Bem, Ju, a nossa primeira pergunta é sempre entender por que você se voltou para o patrimônio quando você fez o seu TCC? Porque você trouxe um elemento muito forte do patrimônio de Brasília. Por quê?

Juliana Freitas: Olha quando eu tava no período de definir o que que eu ia escrever, né? Qual seria o tema do meu TCC. Fiquei muito em dúvida e na época eu participava de um projeto de extensão que o professor Fernando Paulino coordenava que era o Comunicação Comunitária, participei desse projeto de extensão durante uns dois anos e estava em dúvida ali, já tinha convidado o Paulino para ser o meu orientador, mas nem sabia o que eu ia fazer e eu gosto muito de literatura e eu gosto muito de literatura que tem assim um fundo histórico, ele ficava sempre perguntando o que eu gostava e aí eu falava desse tipo de coisa. E um dia, nesse projeto, o Luiz Magalhães, ele foi lá. Ele escreveu um livro sobre os planaltinos né, aquelas pessoas que moravam ali na região de Planaltina, antes da construção de Brasília e ele foi lá contar essa história, falar sobre o livro dele, mostrar… eu lembro que era um período perto do aniversário de Brasília e aí ele foi contar isso. Eu fiquei assim muito curiosa, muito encantada com a história e fui perguntar mais para ele, quando terminou fiquei conversando com ele e ele tinha citado o Visconde e a gente assim “nossa, nunca ouvi falar. Quem é essa pessoa?” e quando terminou essa conversa, o Paulino foi e falou “Por que você não escreve então já que você ficou tão interessada nesse Visconde?” aí eu “Nossa, mas assim como eu vou escrever sobre isso se não tem mais ninguém vivo sabe? Quem vai me contar essa história?” e aí ele “não, vamos tentar descobrir aí você vê se você gosta”. Então no momento de pesquisa para ver se eu teria fontes, ali eu já fiquei curiosa, já fiquei interessada no tema, eu adoro essas histórias por trás da história principal, então assim a história de Brasília, de JK, é bem conhecida. Mas quais são as histórias né que a gente tem por trás dessa história tão conhecida? Então isso me deixou curiosa e me motivou a buscar mais, então foi assim que iniciei o trabalho.

Leyberson: Oi, você foi atrás, inclusive se deslocou até um lugar onde esse Visconde chegou, né? Tem até uma rua com o nome dele que curiosamente… é muita informação só no nome de rua, rua Visconde de Porto Seguro fica em Formosa, né? Então como é que você chegou lá? O que, qual é a relação de Formosa com o Visconde? E se você conversou com os moradores para eles entenderem o nome dessa rua? Acho que você conta um pouquinho disso até no livro de reportagem?

Juliana Freitas: Isso, eu fui até Formosa duas vezes né, nas pesquisas ali eu consegui visualizar por onde ele passou né, assim ele fez um diário na época que ele visitou a região que é isso. Ele, além de ser um entusiasta dessa mudança da capital para o interior, ele foi realmente a primeira pessoa que veio na região para visualizar o local onde ele acreditava ser a melhor região para a capital ser instalada. Então ele fez um diário dessa viagem, mas esse diário se perdeu, então a gente não tem detalhes, só que ele fez alguns relatos que foi… Como foi uma viagem oficial, ele fez com um relatório, né? Assim, você vai fazer um relatório para o seu chefe e aí fez isso. E aí nesse relatório, ele mostra algumas paradas, ele conta algumas paradas que ele fez e uma das paradas foi Formosa, que foi, na verdade, a região onde ele escolheu, ele escolheu ali um triângulo, né? Ele fez um triângulo entre as Lagoas Formosa, que hoje fica em Planaltina de Goiás, a Lagoa Feia, que fica em Formosa, e a Lagoa Mestre d’Armas, que eu não me recordo onde ela fica localizada agora, mas é um triângulo e ele acreditava que ali era a melhor região para que a capital fosse instalada. Então, quando tava pesquisando isso, por onde ele passou, vi que ele tinha dormido em Formosa, e aí descobri que ali tem uma rua em homenagem a ele, fui até Formosa para conhecer… porque também, no período que ele foi lá na região de Formosa, além de visitar, ele deixou, porque assim ele queria muito entrar para a história, então ele deixou ali um presente que era um barômetro com um deputado da época, se eu não me engano, para poder… que isso fosse entregue para Dom Pedro, porque ele acreditava que essa transferência fosse algo que fosse se realizar ainda na época do império, né? Então ele deixou ali um presente para mostrar assim “olha eu vim aqui e aí eu esse é o presente que deixei pra inauguração da cidade”. E realmente esse barômetro foi passando de geração em geração até chegar em Juscelino. Hoje esse barômetro tá ali no Memorial JK, fui lá também, visitar para visualizar essa peça. Então quando eu fui na cidade, fui até a rua, é uma das principais ruas da cidade e parei as pessoas na rua para saber se elas conheciam o motivo daquele, do nome daquela rua e como em quase todo lugar poucas pessoas conhecem né? Então assim, sempre é “ah, foi algo importante”, mas eu lembro que teve uma pessoa que falou “olha, eu acho que foi alguém que visitou a cidade que veio aqui”, então assim ele acertou, né? De certa forma, então assim, ali com quem eu conversei, as pessoas que passavam por ali, ninguém sabia assim o motivo daquela, do nome daquela rua, para ter alguém que conhecia o nome da rua, eu tive que buscar mesmo historiadores, pessoas que realmente estudam a história da região.

Leyberson: Então, você falou do diário dele e falou também que visitou esse barômetro lá no Memorial, JK. E aí eu fico pensando… as pistas que ele foi deixando da história dele e eu queria entender um pouco como é que foi o processo seu de buscar as fontes para poder escrever um livro reportagem de uma pessoa que não está mais entre nós.

Juliana Freitas: Essa foi a parte mais difícil, né? Como eu comecei ali com o Luiz Magalhães que escreveu o livro “Os Planaltinos”, então eu li o livro dele e fui atrás da bibliografia dele, onde na bibliografia dele, porque no livro dele ele cita o Visconde, então assim, ele faz uma citação breve ali no livro dele, então, depois que li, eu fui buscar na bibliografia do livro dele onde ele buscou, onde ele tirou essas informações sobre o Visconde. Então, eu fui a partir do livro dele, eu olhei a bibliografia e aí nessa bibliografia tinha outras bibliografias. Então eu fui buscando dessa forma e aí com o tempo, buscando também alguns professores da UnB que se interessavam pela história de Brasília, alguns também me indicaram alguns historiadores que estudavam a história de Brasília e aí eu cheguei também no Gustavo Chauvet, que é um historiador também e que ele é estuda a Brasília pré-histórica, então assim no caso dele, ele voltou ainda mais no tempo, eu participei de uma dessas incursões com ele, em que a gente visitou a pedra fundamental e visitamos também algumas cavernas em Formosa que tem umas inscrições na pedra. Então assim, ele voltou um pouquinho mais no tempo, mas foi por meio dessas pessoas que consegui tanto bibliografia quanto conhecer pessoas que conheciam a história do Visconde. E aí foi assim que a gente foi buscando pistas assim de onde poderia ter algo que a gente encontrasse um pouquinho mais de informação. A ideia era tentar refazer esse trajeto dele, mas como a gente não tinha certeza do trajeto porque o diário se perdeu, então só sabia das paradas que ele fez primeiro, ele saiu do Rio, passou em São Paulo, se não me engano, Patos de Minas e depois já foi Formosa. E aí depois, a viagem de volta foi.., foi para a Bahia, então da Bahia ele já voltou para Portugal. Eu lembro que na reportagem eu escrevi assim…se eu não me engano foi o Luiz Magalhães que até falou isso que ele passou pelas três capitais né, a capital do presente naquele período que era o Rio de Janeiro, ele partiu de lá e aí ele veio visitar a capital do futuro que é onde ele imaginava que seria a região onde ela seria instalada e foi embora voltando, né? Foi até a capital do passado que foi na Bahia para ele retornar para Portugal.

Juliana: Juliana, eu queria que você pudesse contextualizar o momento histórico né, assim… porque de repente ele não acordou e falou “eu quero levar Brasília para o interior”. Você conta até um pouquinho no seu livro a origem da palavra Brasília, que seria Brasil em latim, né? Tem uma derivação, deixar até para quem tem interesse em ler que é bem legal esse trecho, mas contar assim o contexto, né? Por que ele estava propondo a busca por uma interiorização da capital, né? E quais são… qual é o contexto histórico mesmo assim dentro dessa história do império?

Juliana Freitas: Antes dele, a gente teve outros, você até citou no início, a gente teve outros intelectuais que também pensaram essa interiorização. Para alguns, era importante essa interiorização por conta da segurança para a capital não ficar ali muito perto do litoral, poderia ser atacada, né? Então, muitos pensavam nisso e o Visconde ele anos depois trouxe novamente essa pauta, só que para ele, ele tinha um conceito mais amplo, ele pensava na parte de segurança, mas também pensava na unidade do país e aí na questão de civilização, então ali você poderia né? O país, o Brasil naquela época, já era um país grande, então para ligar todas as regiões a capital precisaria ser no interior. Esse era o pensamento dele, mas todo essa história, ela ainda remete assim à antes do visconde que foi com os Inconfidentes, ali que nasceu esse sonho de interiorizar a capital que tem a ver com essa questão da segurança e de unificar o país que é um país, até hoje né, de dimensões continentais e que tem regiões com características diferentes, então a ideia era povoar essa região e unificar o país.

[Enxerto]: Em 1813, Hipólito José da Costa, fundador do Primeiro Jornal brasileiro, defendia que a família real estaria mais segura contra invasões marítimas no interior do país e não no Rio de Janeiro. 10 anos depois, José Bonifácio de Andrada e Silva, o grande articulador da Independência, sugeriu chamar esta futura cidade de Brasília. A ideia da mudança da capital foi ficando cada vez mais forte e no final do século XIX o astrônomo Luiz Ferdinando Cruz chegou até a demarcar o local onde seria construída esta cidade.

Juliana Freitas: Então nasceu com uma questão de segurança e foi ampliando para essa ideia de unificar a nação. Quando o Varnhagen veio, quando ele veio fazer essa incursão aqui no interior do país, ele veio com a missão também de identificar uma região onde os imigrantes pudessem viver, né? Então assim, ele aproveitou essa missão que ele tinha também pra escolher essa região onde a capital ficaria, então quando ele passou o relatório dele, ele indicou essa região tanto para a capital quanto para um local que fosse apropriado para os imigrantes, até porque ele relata que achou o clima daqui muito parecido com o europeu, né? Ele veio em julho, pegou aquele friozinho, ele achou que tava semelhante ao clima europeu porque naquele período tinha uma ideia de que no calor, locais muito quentes, as pessoas não trabalhariam, né? Assim não teriam força para trabalhar, então era importante ter um clima ameno, para o desenvolvimento do país, então, ele veio aqui nessa região e achou que seria interessante instalar os imigrantes e fundar ali a nova capital. Então, o clima assim histórico tinha né? Até antes, já que na época do JK mesmo, ali existia toda uma polarização de quem acreditava que era importante a interiorização da capital e quem não acreditava, então ali já existia uma polarização, mas esses movimentos mudancistas, eles nasceram uns 150 anos antes com essa ideia de segurança e de unificar o país.

Juliana: Me corrige se eu tiver errada, eu entendi que ele tava como… ele é diplomata e ele estava com uma licença para vir fazer essas visitas. Eu queria entender a lógica porque de alguma forma isso se repete muito, né? Ele queria entrar para a história, ao mesmo tempo, ele tem um cargo público assim de certa relevância e aí ele pede licença para vir visitar Brasília, se puder explicar um pouco essa conexão e falar mais sobre o que ele encontrou. Eu acho muito divertido, tipo, pensar que ele tava analisando o clima, as pessoas, a região… o que marcou ele nessa área que ele encontrou?

Juliana Freitas: Ele era diplomata e historiador. Ele inclusive é considerado um dos historiadores assim pioneiros da história do Brasil. Então ele pediu uma licença para visitar aqui, essa região, mas ele veio com essa missão, né? Quando deram essa licença, ele de certa forma até veio a trabalho, porque ele veio com essa missão de encontrar um local para instalar os imigrantes. Por isso até que ele mandou relatórios. Então, apesar de ter pedido uma licença, ele veio com uma missão para cá e ele tinha essa vontade de entrar para a história. Então, ele não foi o primeiro a pensar na interiorização do país, mas foi o primeiro a visitar. Muita gente conhece a Missão Cruls que realmente veio, visitou a região, né? Demarcou quadrilátero…

[Enxerto]: No dia 9 de junho de 1892, 22 cientistas partiram do Rio de Janeiro em direção aqui, ao planalto central, para escolher um lugar onde seria erguida a nova capital da República. Era o que determinava a Constituição de 1891. A comissão exploradora do planalto central foi liderada por um astrônomo belga que foi naturalizado brasileiro depois, Luiz Cruls, um homem tão importante que até hoje a comissão é conhecida como Missão Cruls.

Juliana Freitas: Quem visitou primeiro e de certa forma indicou o local, que a Missão Cruls depois visitou e demarcou, foi o Varnhagen, por isso que ele tem um destaque diferente dos outros pensadores, intelectuais que sonharam com essa interiorização porque ele realmente veio até aqui. Então nesse caminho dele, ele encontrou essa região que para ele era importante que fosse uma região plana, para ele também era importante que tivesse um clima ameno e aí na época das pesquisas a gente viu que ele fez um caminho, ele não saiu andando do nada assim “ah é esse aqui o lugar”, ele fez um caminho, já existiam ali algumas rotas, rotas de ouro, de escravos… então, ele fez ali, de mula, seguindo uma rota que já existia e ele fez um caminho do Saint-Hilaire, ele fez a mesma rota do Botânico Saint-Hilaire. O Saint-Hilaire veio a Goiás em 1819 e a viagem do visconde foi em 1877 e eles descreveram até de forma um pouco semelhante. O Saint-Hilaire, quando ele veio aqui, ele falou que era uma região plana que tinha uma vegetação rasteira, alguns arbustos raquíticos. A viagem do Saint-Hilaire, ela rendeu um livro chamado “Viagem à Província de Goiás”, então, ele descrevia toda a vegetação, ele descrevia a parte geográfica e topográfica da região. O Visconde não fez uma descrição assim, até porque ele não era botânico, né? Ele não trabalhava com isso, mas ele fez a descrição que ele enfim, que era possível fazer para ele como historiador, como entusiasta ali naquele período. Então ele descreveu que era uma região plana, ele descreveu o clima que ele conseguiu perceber e conseguiu descrever também ali, falou que também era uma região com arbustos pequenos, com é um gramado assim grande… então assim eu não sei exatamente o que motivou ele falar “Nossa é esse o lugar, né?”. Eu acho que a gente só descobriria isso se a gente encontrasse o diário dele, mas eu acho que ele foi seguindo essas pistas, essas pessoas que já tinham visitado. Não sei será que ele leu o livro do Saint-Hilaire? Que descreveu esse local? A gente não tem como saber mas ele seguiu a mesma rota e descreveu um local muito semelhante, tanto que depois quando a Missão Cruls veio na região, eles deram um nome para um chapadão que tem ali na região entre as Lagoas, deram o nome de, se eu não me engano, foi Chapada Visconde de Porto Seguro porque foi o que ele descreveu neste relatório dele. Então eu acredito que ele imaginava que pra facilitar essa transferência da capital interessante uma região plana que não tivesse tantos vales, né? Tantos morros.. que isso facilitaria a construção da nova capital.

Leyberson: Você fala até no texto também no diário, que tem até uma esperança de que.. Quem sabe ele seja encontrado aqui no Brasil ou lá em Viena onde ele morreu, né? Eu acho que você ficou com uma vontade, não sei se… você me corrige se estou enganado, se você gostaria e continuar contando essa história com mais base, né? E aí eu queria saber de todo o material que você levantou, você já falou aí dos livros, pesquisas secundária, também do barômetro… Qual foi o acervo que você encontrou assim que mais caracterizou, que mais te impressionou na busca ou o material que te ajudou a motivar? O que te chamou a atenção assim, né? Eu, por exemplo, lendo sua reportagem, fiquei muito impressionado com o barômetro. Eu não sabia que o barômetro estava lá no Memorial JK. Fico interessado até de ir lá só para ver, por causa dessa coisa de… deixou ali tantos anos depois, sei lá, quase 100 anos que chega na mão do Juscelino e tudo mais, né? Tem alguma coisa que te marcou?

Juliana Freitas: Olha, eu gostei muito de ler o livro do Saint-Hilaire, porque ele descrevia ali e assim, apesar de ele ter vindo bem antes do visconde, ali uns cinquenta e poucos anos antes, naquele período as paisagens não mudavam tanto, né? Então assim a gente acredita que fosse bem semelhante, que ele encontrou algo bem semelhante. Então quando eu estava lendo o livro do Saint-Hilaire, eu consegui imaginar o visconde passando por ali de mula visualizando aquelas paisagens. Então isso foi bem legal para tentar entender o que ele visualizou ali, para tentar entender porque ele achou aquela região interessante? Então, como o Saint-Hilaire descreve muito a região, você consegue, por mais que o visconde não tenha descrito e aí tenha um espaço de cinquenta, mas cinquenta que nada foi construído, que nada foi modificado, então a gente consegue imaginar que seja a mesma paisagem. O barômetro também foi uma peça que me interessou porque foi realmente assim, uma pista que ele deixou, um lembrete, um presente para mostrar “olha eu estive aqui e eu vi esse lugar primeiro, eu indiquei e mostrei que aqui era a melhor região” e isso realmente foi uma relíquia, a gente pode dizer assim que foi passando de geração em geração. Ele deixou o barômetro lá e foi passando de geração em geração até chegar no Deputado Paulo Limeira e Malheiros, que foi quem entregou para o JK na época da inauguração de Brasília 82 anos depois do pedido do visconde. Então foi uma peça que me interessou, quando eu fiquei sabendo que estava no memorial fui até lá para ver, até o que era direito o barômetro, né? Como era essa peça? Então foi legal, saber que aquele barômetro ali foi uma peça que realmente passou pelas mãos do visconde. Acho que foi…

Juliana: E será que foi usado? Desculpa, eu fiquei com essa dúvida.

Juliana Freitas: Eu acho que foi usado por ele. Na descrição dele, ele saiu, se eu não me engano com cinco barômetros de Portugal, então esse foi o presente que ele deixou ali. Então, não sei se ele usou todos, né? Que ele saiu ali na viagem, então não sei se chegou a ser usada, eu acho que ele ficou mesmo mais como uma relíquia para mostrar que ele esteve naquele local. E fora isso, eu também achei muito interessante quando fiz a incursão com o Gustavo Chauvet que a gente foi visitar as inscrições em pedra, também achei isso muito legal, porque tem, Brasília tem essa coisa de parecer que ela nasceu ali em 1960, não tinha nada, só tinha mato, mas não é essa história.

[Enxerto]: Brasília em 1957 era uma extensão de terra árida deserta onde tudo estava por fazer, erguer uma cidade é uma tarefa gigantesca, árdua e ingrata, mas Brasília nasceu das mãos de pioneiros inspirados na mais profunda fé e dominados pelo amor sincero à terra.

Juliana Freitas: Aqui, a gente tem uma pré-história mesmo da cidade, tanto de pessoas que sonharam com essa vinda da capital para cá, como foi o caso do visconde, mas a gente tinha comunidades, pessoas que moravam aqui na região, então isso para mim assim, foi me encantando. Em relação ao diário, sim, a vontade era de encontrar mesmo, a dificuldade que a gente tem é porque ele não deixou herdeiros, então não tem ninguém que a gente possa procurar, para ver se tem sei lá um bisneto, ou tataraneto, mas ele não deixou herdeiros e por conta disso, a gente não sabe se esse material foi guardado, porque a gente tem dele é o que realmente foi publicado e aí isso a gente tem um acervo, em alguns locais do material dele, mas o diário como foi algo que não foi publicado e a gente nem sabe se ele deixou de ser manuscrito sem algum momento, ele pensou em publicar, até porque ele faleceu muito próximo da viagem, ele faleceu no ano seguinte então ficamos aí com esse pedacinho da história, sem saber se ela ainda tá por aí ou se a gente realmente perdeu esse trechinho da história.

Juliana: Essa perspectiva de que existia sim muita coisa antes da capital vim para Brasília é me faz pensar em toda essa cultura, interações que tinham aqui, eu sei que você focou muito no visconde, eu queria pedir, talvez, para você pensar em todo o acervo que você consultou, não só o que foi parar no livro-reportagem, se você conseguiu achar impressões, falas, informações sobre quem já tava aqui antes e tem um pouco disso na sua pesquisa, no que você encontrou.

Juliana Freitas: Olha, essa parte eu realmente não foquei em pesquisar, isso foi interessante, me deparar com essa parte porque eu iniciei pelo livro do Luiz Magalhães que tratava exatamente disso então acho que o maior contato que tive foi com o material dele que foi o trabalho dele, do mestrado dele e o que depois se transformou no livro, que é o livro “Os Planaltinos”. Então ali foi onde eu tive mais contato e depois com o Gustavo Chauvet quando a gente visitou ali as inscrições, fomos à pedra fundamental, então esse foi o meu principal contato, mas acabei incluindo também nas minhas pesquisas, a região de Planaltina, a cidade satélite aqui, porque ali tem uma região, um bairro mais histórico, que tem a igrejinha, então por ali, era um lugar que eu já visitava por conta do projeto de extensão da UNB, o “Comunicação Comunitária”, então era uma região que eu já conhecia, até foi por isso que tive interesse em contar essa história. Então não foquei nisso, até porque esse já era o trabalho do Luiz Magalhães, então para não ficar algo muito semelhante, meu foco foi mesmo contar a história dessa personalidade que ficou esquecida de certa forma, porque a gente, quando alguém tem interesse em pesquisar essa história de antes de Brasília, geralmente para ali na Missão Cruls, então eu queria um pouquinho além da missão Cruls e por isso foquei mais no Visconde.

Leyberson: Eu fiquei assim, você foi para Formosa e aí você falou que ele veio no inverno e foi num lugar de Lagoas, então deve ser mais úmido e um pouco mais frio. Quando você foi lá em Formosa você sentiu essa temperatura mais amena tipo em Petrópolis, né? Porque essa visão de um lugar mais alto e tal ou realmente foi uma ilusão.

Juliana Freitas: Olha assim, infelizmente eu tenho que dizer que ele se iludiu um pouco e olha que eu fui numa época até boa, tá? Se eu não me engano foi em abril, então a época que chove né? E fui depois já na seca, então assim, coitado, ele foi realmente enganado porque quando chega julho a temperatura daqui dá uma enganadinha, né? Porque faz um friozinho, naquela época não tinha tantas construções, então devia ser mais frio ainda, não sem relação a umidade, o que é que ele sentiu porque ele não descreve isso, ele fala que é uma temperatura amena que lembra é as regiões planas da Europa então quando a gente visita, a gente que vive aqui na região a gente fala gente que é isso, né? Porque no período que ele foi é friozinho, mas logo depois chega aquele calor intenso, que começa agora em agosto. Então eu acho que ele se enganou um pouquinho. Acho que depois quando inauguraram Brasília, os candangos devem ter falado “gente como assim? Por que esse lugar assim tão seco?

Juliana: Pensando um pouco nessa sua contribuição para cumprir o desejo do Varnhagen de entrar para a história. Eu queria também entender essas pessoas que falaram com você, como é que foram essas conversas, depois para saber mais sobre o seu TCC. Se você teve oportunidade de falar com grupos maiores? Teve gente que pediu para você mandar o livro reportagem? Como que foi essa trajetória aí? De trocas pós TCC.

Juliana Freitas: Tá depois que ficou pronto, enviei para algumas pessoas que a gente conversou. Eu conversei com historiadores do Instituto Histórico-Geográfico daqui do DF, enviei para eles, para o Gustavo Chauvet, para o Luiz Magalhães que foi dali que tudo nasceu, do livro dele que eu me interessei pelo livro dele. Então com essas pessoas, com o Luiz Magalhães depois eu conversei mais algumas vezes, a gente ainda ficou trocando informações durante um tempo. Ele ficou muito feliz que a inspiração veio do livro dele e também troquei muito com a minha família por parte de pai, que a minha família do parte de pai é de Formosa, nasceu ali na região, então ficou todo mundo querendo que eu fizesse uma cópia pra entregar pra família inteira pra todo mundo ler, conhecer ali mais sobre a região então eu ainda tive essa missão caseira, né? Porque a minha família por parte de pai é mais velha, né? Eu sou o chamado rasta de tacho, né? Então minha família por parte de pai é bem mais velha então quando eu falei que era esse o trabalho todo mundo ficou interessado, aí eu tive que fazer mais cópias para poder entregar pra minha família, ninguém mora mais lá em Formosa, mas todos os meus irmãos mais velhos cresceram ali na região ,nasceram por ali e depois vieram para Brasília. Então eles se interessaram em conhecer, saber porque do nome da rua. Não inclui nenhum deles no trabalho, né? Nem no livro-reportagem, mas troquei com eles a respeito disso para saber se eles conheciam também, eles também não conheciam o porquê do nome da rua, então tive essa troca caseira também.

Leyberson: Eu tenho uma última pergunta até pensando aí nos diários e acervos… saber do seu material. Não lembro o ano que se produziu, se puder falar pra gente onde que ele tá? Como que a gente encontra? Se é possível encontrá-lo? O que você pretende fazer com ele? O livro-reportagem diagramado foi impresso, né? Ele foi impresso? Você vai passar para os herdeiros? A gente vai encontrar no futuro?

Juliana Freitas: Olha, eu produzi em 2012 e ele tá na UnB, né? Algumas pessoas encontram por lá. Eles entram em contato comigo perguntando né? Quem tá fazendo algum trabalho relacionado a Brasília. Eu acho muito legal, porque isso significa que as pessoas estão encontrando Visconde, conhecendo esse pedacinho da história que ficou esquecida, né? Ele, coitado, foi ofuscado por outras personalidades que são bem mais conhecidas, né? Eu até falo isso na reportagem, né? A gente teve alguns Inconfidentes e ali quando a gente fala da Inconfidência Mineira, poxa, eles têm até um feriado, né? Então assim não tem como concorrer com alguém que é tão conhecido ali, então é um pouco difícil a concorrência para ele ficou difícil, com a Missão Cruls também, então quando alguém encontra meu trabalho, eu fico feliz porque eu sei que alguém pesquisou esse pedacinho da história. Tá na UnB. Eu tenho algumas unidades aqui. Eu nem considero assim um livro-reportagem porque ele é curtinho, eu considero como uma grande reportagem, mas eu diagramei assim, na época a gente diagramou para um formato como se ele fosse entrar uma reportagem especial numa revista, né? Na época a gente até se inspirou na Revista Campus repórter e aí então por isso que a gente fez nesse formato como se ele fosse entrar ali como uma reportagem especial, não pensei em publicar assim. Depois que passou eu fiquei sem saber o que fazer com isso, se eu faria alguma coisa, se eu tentaria publicar… deixei guardado e o tempo foi passando, né? Então realmente assim tem algumas unidades aqui, tem algumas na UnB. Então quem tiver interesse eu acho que procurar lá no acervo da UnB e procurar pelo Varnhagen que acredito que acha fácil.

Juliana: Bem Ju, a gente tá chegando no fim do episódio. Queria agradecer a sua participação e deixar o microfone aberto, se tiver alguma coisa que a gente não perguntou, o que você acha interessante. Se você quiser falar também um pouco desse processo mais emocional de escrever o TCC fica livre.

Juliana Freitas: Ah, eu agradeço que vocês estejam contando essa história de Brasília, eu gosto muito, né? Como eu falei no início, das histórias por trás da história principal, né? A história que todo mundo conhece, então sempre fico feliz, quando alguém quer contar também essa história, eu acho que é importante a gente conhecer a história da nossa região. Hoje nos livros de história das escolas essas pessoas estão começando a ser incluídas, né? Muito brevemente, mas eu acho que só de ter a menção a essas personalidades, eu acho que já faz uma diferença para a gente entender que a história não é tão simples, né? Como uma pessoa, JK falar “ai vamos interiorizar a capital”, não foi exatamente assim. O período que escrevi foi muito gostoso, assim na verdade, escrever essa essa história, tive contato com pessoas que contribuíram muito, que me ajudaram, da mesma forma que hoje eu fico feliz quando alguém tá contando isso, eles também ficaram felizes de saber que tinha alguém interessado em contar essa história. E uma curiosidade assim que eu até trago também na reportagem, é sobre o sonho de Dom Bosco, né? A principal referência que o JK dava nos discursos dele era sobre o sonho de Dom Bosco.

[Enxerto]: Em seu sonho, o fundador dos Salesianos viajava pela América Latina de trem e via o planalto central entre os paralelos de 15 e 20 graus, havia um leito muito largo e muito extenso que partia de um ponto onde se formavam um lago. Ouviu-se então uma voz “quando escavar as minas escondidas no meio destes montes aparecerá aqui a terra prometida que jorra leite e mel”.

Juliana Freitas: Só que esse sonho não foi exatamente sobre Brasília, foi modificado para parecer que fosse sobre Brasília porque ali havia também uma questão política, né? Para que essa capital viesse para o interior, então modificaram o sonho de Dom Bosco e JK acabou usando isso, então Dom Bosco ficou maior do que as pessoas que realmente sonharam e tentaram colocar em prática essa capital. Então hoje saber que mais pessoas vão ter acesso a essas pessoas, a essas personalidades que realmente pensaram essa região eu fico feliz.

Leyberson: Ju muito obrigado, por, não só fazer todo esse levantamento, esse livro-reportagem, mas também puxar um pouquinho das linhas imaginárias para Formosa, ali pra cima da construção de Brasília. A gente agradece muito a sua participação e a gente encerra o episódio deixando um recado que o Dazumana tá no YouTube e em várias plataformas de podcast como Spotify ou podcast iTunes e em 15 dias a gente vai voltar com um novo episódio. Se vocês quiserem enviar suas sugestões ou até mandar algum comentário aí para Ju, nosso e-mail é voz@dazumana.com.

Juliana: Este projeto é feito com o apoio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal, Governo do Distrito Federal e realização da Lei Paulo Gustavo, Ministério da Cultura e Governo Federal. É isso, até a próxima. Dazumana, a ciência sem jaleco.

00:00 - BLOCO 1: QUEM FOI VARNHAGEN

Passagem por Formosa

Diário e relatos da viagem

Excursões e bibliografia

 

10:17 - BLOCO 2: MISSÃO DIPLOMATA

“Clima europeu” para os migrantes

Missão Cruls

Auguste de Saint-Hilaire

Legado do barômetro

Diário perdido

 

25:07 - BLOCO 3: A VISITA

Antes da capital

Gustavo Chauvet

Distribuição da reportagem

CRÉDITOS:

Enxerto 1 (comentário): TV Senado - Histórias do Brasil - Quando Juscelino Kubitscheck decidiu a construção da capital em Brasília? ( https://youtu.be/5WDwxGyf0d0 )

Enxerto 2 (comentário): Globo Comunidade DF - Entenda como começou a Missão Cruls ( https://globoplay.globo.com/v/4283089/ )

Enxerto 3 (comentário): TV Brasil - Cine Jornal sobre a construção da nova Capital Brasília ( https://youtu.be/el0ffBe3CJ0 )

Enxerto 4 (comentário): Cledson Rodrigues - Brasília Mística e o Sonho de Dom Bosco ( https://youtu.be/mdJ9Io8yWYM )

 

O Dazumana é um podcast informativo de divulgação científica. Comentamos fatos da vida para entender as teorias, sempre com finalidades educativas. Artigo 46 da Lei 9.610/1998.

 

TCC “A viagem do visconde: Varnhagen e a capital no interior do Brasil” de Juliana Freitas

https://bdm.unb.br/handle/10483/4311 

 

Livro “Sertão Planaltino: uma outra História de Brasília” de Luiz Ricardo Magalhães

https://www.editoracrv.com.br/produtos/detalhes/3286-sertao-planaltinobruma-outra-historia-de-brasilia?srsltid=AfmBOoqjVLFfPiZY7r11TNPEYu2CjRVyCaiZ8kMjwdB4SCGin4G9iRtm 

 

Livro “Viagem à Província de Goiás” de Auguste de Saint-Hilaire

https://www.estantevirtual.com.br/livro/viagem-a-provincia-de-goias-0AS-4859-000-BK 

 

Entrevistada: Juliana Freitas

Pesquisa e locução: Leyberson Pedrosa e Juliana Mendes

Gestão e Produção executiva: Carolina Villalobos

Montagem: Gabriella Braz

Edição de som: Ricardo Ponte

Música tema: Ricardo Ponte

Tema do lattes: The Angels Weep de Audionautix

Design gráfico: Bárbara Monteiro

Ilustração: Juliana Mendes

Transcrição: Gabriella Braz

Janela de Libras: Brenda Kroslowsk

Redes sociais: Zizi Villalobos

Assessoria de Imprensa: Rafael Ferraz

Site: Marcelo Nogueira