07

Direção de arte

Seja no documentário, seja na ficção, seja na fantasia, onde está a Direção de Arte? Ela cria os ambientes por onde os personagens transitam. Pode trazer signos de determinada época e acrescentar também sentidos à narrativa. A doutora Dorotea Bastos, professora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, explica o passo a passo do campo, desde a pesquisa até a execução.

O Dazumana é um podcast informativo de divulgação científica. Comentamos fatos da vida para entender as teorias, sempre com finalidades educativas. Artigo 46 da Lei 9.610/1998.

Juliana: Olá. Começa mais um episódio Dazumana.

Leyberson: Iniciamos com um desafio. Pode dar um pause rapidinho no podcast, liga lá no seu filme, série ou novela favorita. Agora repara no uso da arquitetura, dos objetos de cena, do figurino e das cores, e vê se tudo isso cria o visual e o ambiente onde se passam as cenas.

Juliana: Estamos falando do trabalho da direção de arte. São profissionais dedicados e minuciosos que criam, materialmente, os mundos dessas ficções e ajudam a gerar atmosferas específicas. Depois de fazer o desafio do Leyberson, só não esquece de voltar aqui para o nosso podcast e dar o play. Temos uma convidada especial para falar sobre direção de arte: é a Dorotea Souza Bastos. Oi, Dorotea, tudo bem?

Dorotea: Oi, Juliana. Oi, Leyberson. Tudo certinho, sim, tudo ótimo.

Leyberson: A Dorotea aqui, nos bastidores, me questionou porque a gente vai ler o Lattes dela, mas é exatamente - a gente chama os anjos da academia para tocar os sons e a gente entra com a leitura do currículo Lattes. E a Dorotea, que está aqui com a gente, é professora do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Ela atua no campo da imagem, com especial interesse nas visualidades da cena, arte e tecnologia, nas áreas do audiovisual, teatro e dança. É doutora em média arte digital pela Universidade do Algarve, em conjunto com a Universidade Aberta de Portugal; e doutora em comunicação e cultura contemporânea pela Universidade Federal da Bahia em em co-tutela. É líder do VISU, grupo de pesquisa e extensão em arte, imagem e visualidades da cena da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em parceria com o CNPq. Faltou alguma coisa, Dorotea? A gente leu o Lattes mas sempre fica uma coisinha de fora.

Dorotea: Está completíssimo, está ótimo assim - tem até informação demais, muita coisa.

Juliana: A gente agradece a sua participação, e eu queria começar com uma coisa que me chamou a atenção nos resumos que a gente leu, que é que havia uma lacuna do ensino de direção de arte na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Essa lacuna pode ser explicada talvez por uma não-priorização, geralmente, em direção de arte? Então, quando está produzindo, o diretor ou produtor de arte: "nem precisa de direção de arte", até para economizar. Você acha que tem a ver com isso?

Dorotea: Ju, geralmente tem; mas nesse caso específico da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, a UFRB, foi mais por uma questão mesmo de experiência e os olhares que os professores que criaram o curso tinham. Eles tinham uma formação diversa, mas em direção de arte, e o curso também foi voltado mais para documentário. O documentário, apesar da gente também trabalhar a direção de arte, essa não é uma matéria tão forte - geralmente não costuma ser. Poderia ser um pouco mais, a gente pode trabalhar coisas muito interessantes, muito bacanas no documentário, e os professores mesmos sentiram falta disso, mas não tinha ninguém no quadro, na época, que pudesse dar essa disciplina, então ela acabou não aparecendo na matriz - tanto que, depois, o mesmo grupo pensou: "está na hora de termos uma pessoa de direção de arte, de todas as formas", porque também não é tão simples, principalmente no serviço público: "está precisando de professor tal", não é do nada que aparece uma vaga. Então, foi muito trabalho e eles conseguiram essa vaga para direção de arte.

Juliana: E se eu puder complementar, já que tem essa baixa priorização, por que você se interessou pela área? E você falou de direção de arte no documentário, se puder pincelar um pouquinho para mim também, que é algo um pouco de novidade.

Dorotea: Primeiro, a questão do interesse da área, aconteceu acho que de uma forma até muito natural. Quando eu me vi, eu já estava fazendo direção de arte sem nem saber que aquilo se chamava direção de arte. A minha graduação não é em Cinema, a minha graduação é em Publicidade e Propaganda, que é uma das habilitações da Comunicação, e eu trabalhei muito com produção - essa produção dos VTs, os videotapes comerciais da publicidade. Eu estava lá sempre mexendo no cenário, vendo a questão do figurino, vendo questões de maquiagem, e muito tempo depois é que eu fui descobrir que aquilo era direção de arte, até porque, dentro da publicidade, não se fala muito em direção de arte. A gente tem a figura do RTV - antes era RTVC - que era Rádio, TV e Cinema dentro das agências, e aí a gente contrata uma produtora, e aí geralmente vem tudo pronto da produtora e a gente só aceita dentro do que foi solicitado, dentro do que está naquele roteiro. Então, essa participação acabava acontecendo, e não tinha essa prioridade e nem tinha esse nome. Aí depois, estudando, foi que eu vi: "é isso que eu faço". E eu sempre fui muito ligada ao teatro, muito ligada à dança, e sempre trabalhando também nos bastidores, e sempre também nessa vertente da cenografia, do figurino, da maquiagem, os efeitos visuais também.

João Márcio Corrêa: A Cris de Lamare que vai estar tomando à frente deste masterclass.

Cris de Lamare: Acho que a maquete física vale muito a pena de ser feita para musicais. Quando é um cenário fixo, uma coisa contemplativa, você pode fazer ela no 3D, no Photoshop, uma perspectiva ok. Mas quando o cenário vai ser manipulado pelo elenco, principalmente... porque nem todo mundo lê uma planta e tem imaginação espacial para visualizar aquilo em 3D - nem todo mundo tem. E tem gente que tem vergonha de dizer que não está vendo. Eu conheço diretores que não dizem que não estão vendo, de você moldar uma planta, leva a planta para a reunião com o diretor, com todo mundo da minissérie, senta lá, aprova a planta: "aqui é a casa do fulano, está bom?", "está bom", "aqui, não sei o quê, escada, corredor, aquela cena é aqui", aprovado. Aí chega no estúdio: "ué, essa escada é aqui?", "faz dois meses, inclusive - quando viu lá naquela reunião, dois meses que a escada é aqui, não é outro lugar". Mas a pessoa não lê planta e não tem facilidade: "não estou conseguindo entender o que você está me mostrando", porque nem todo mundo vê uma planta baixa e visualiza aquilo em volumes. Então, eu acho importante a maquete. Não precisa fazer física, pode fazer em 3D - hoje em dia, você faz em 3D, bota óculos, o pessoal fica lá vendo a maquete, vira para lá, vira para cá, fica feliz - e fazer a maquete física é sempre um evento. Quando a maquete chega no ensaio: "olha a maquete", parece que é brinquedo de criança, todos metem a mão. Eu acho muito válido para teatro, onde o cenário vai ser manipulado: faça maquete. Eu sou da antiga, analógica para isso, porque as pessoas pegam um monte de coisa: "isso aqui pode botar para lá? Isso aqui pode botar para cá?". É muito melhor. Não precisa ser uma coisa potencialmente artística, ela precisa ser prática, tem que ser volumétrica para que possa ser manipulada sem você sofrer que vai estragar o seu serviço. Tem que ser sem sofrimento. Esse é o meu conselho, como eu faço.

Dorotea: Aí quando eu me vi, eu já estava realmente na área. E como minha pesquisa sempre foi voltada para cinema, eu falei: "é isso que eu faço". Então, foi muito... eu diria que foi até um pouco mais natural, foi uma coisa que já acontecia, não foi uma busca. Acho que a direção de arte que me encontrou. E em relação à direção de arte no documentário, ela já acontece, mas o documentário tem uma forma diferente de fazer cinema. Muita gente trabalha com o documentário - e, às vezes, não cuida da direção de arte, o que é uma pena - mas a direção de arte no documentário tem vários papeis, mas talvez um dos principais seja descontruir algumas imagens, algumas coisas. Por exemplo, você vai entrevistar uma pessoa no documentário, a pessoa coloca a melhor roupa, faz uma maquiagem diferente do que ela faz no dia-a-dia, muda a casa, e o que você quer é justamente aquilo que estava ali. Só que não é apenas isso, existem várias formas de trabalho dentro do documentário, dependendo dos tipos de documentário. Por exemplo, eu tenho um documentário que eu sempre gosto de dar como exemplo, que é Só 10% É Mentira, que é um documentário sobre a obra de Manoel de Barros.

Pedro Cezar: Durante sua primeira infância, brincando na beira do Rio Paraguai, Manoel inventa diversos inutensílios, descobre que as latas têm dons de navios, desenvolve o esticador de horizonte, inventa o abridor de amanhecer.

Manoel de Barros: Minha invenção é um negócio do subconsciente, da imaginação criadora, a imaginação produtora é que busca, lá do baú da infância. Diz o Bachelard que a gente tem um bauzinho, uma caixinha, um cofre, onde ficam guardadas as nossas primeiras sensações: os primeiros cheiros que você sente, os primeiros ruídos e folhas caindo, o do vento. Tudo isso é formado na infância, e já te contei a história de que me pintou para fazer um capítulo da minha mocidade, um capítulo da minha velhice, e eu declarei que eu só queria infância. Mas na minha poesia, eu só tive infância, eu só sei escrever sobre a infância, porque só sei ir buscar no cofrezinho.

Dorotea: Ele é um documentário que teve que reconstruir muita coisa da vida daquela pessoa. Então, você tinha, às vezes, um quadro, você tinha uma pintura, você tinha uma rachadura na parede, você tinha uma pintura de arte que tem que ser pensada. Então, tudo isso para recriar cenários também. Nem sempre a gente tem imagem de arquivo, porque muitas vezes o documentário usa essas imagens de arquivo mas nem sempre a gente tem. Então, quando a gente precisa recriar esses cenários ou mesmo desconstruir algumas imagens, a direção de arte está ali. Mas é claro que no cinema dito de ficção - que eu não concordo muito com essa dicotomia de documentário e ficção; a gente está contando sempre uma história - a direção de arte realmente rouba a cena. A gente tem um olhar diferenciado para direção de arte na ficção.

Leyberson: Estava pensando aqui também: no Dazumana, a gente tem um site que divulga essa temporada especial sobre novas mídias, e pensando de como ela está disposta, é uma forma também de convite. Aí eu lembrei que a gente normalmente não cita, no áudio, os artigos que a gente está discutindo e lendo. Eu vou citar o seu até para a gente familiarizar, mas ter lá no site, se de repente colocar as referências, citações, os blocos descritivos. Então, tem tudo ali também visualmente para a pessoa pegar, porque a gente está trabalhando com áudio - e, no seu caso em específico, a gente tem dois textos que a gente trabalhou. O primeiro é: A Dramaturgia Expandida, Processo de Significação das Imagens em Movimento.

Dorotea: Esse foi para o Congresso Internacional de Intermedialidades, que aconteceu em Juiz de Fora.

Leyberson: E o outro, que foi para a Socine, que é mais específico - seria uma aplicação, talvez - Os Cursos Visuais do Velho Chico: Direção de Arte e Imagem Mítica, e aqui você fala de uma dramaturgia da Globo, se não me engano, do Benedito Ruy Barbosa, que, no caso, trata muito sobre Nordeste, aí eu queria que você contasse um pouquinho, para chegar no Velho Chico, o que seria a significação das imagens em momento e essa representação: por que escolher o Velho Chico para fazer essa análise? Exatamente porque tem um contexto do nordestino, o contexto do olhar externo sobre o nordestino, o olhar do sudestino.

Dorotea: Primeiro, só para complementar, esse artigo, eu não escrevi sozinha, eu escrevi com Milena Leite Paiva, que é uma super parceira, também pesquisadora do VISU junto comigo, e a gente escreve alguns artigos, participa de alguns eventos juntas, então foi escrito com Milena. E foi para a Socine, que é um dos maiores eventos - se não o maior - de cinema. E aí a ideia de trabalhar esse texto, especificamente sobre essa novela Velho Chico, primeiro porque, na época, por conta da atualidade de ter visto, de ter vivenciado aquilo, e foi muito próximo da gente, aconteceu aqui - as gravações em cachoeira, Cabaceiras do Paraguaçu - e isso também envolveu muitos estudantes da UFRB. Fora que a visualidade chamou muito a atenção da gente, de como aqui o Nordeste foi retratado, de como aquelas cenas foram criadas. E também Milena é uma grande pesquisadora da obra de Luiz Fernando Carvalho - a novela é escrita por Benedito Ruy Barbosa, mas foi dirigida por Luiz Fernando Carvalho. Então, ela falou: "junta tudo, vamos falar sobre essa obra" - e que tem tanto a ver com o nosso dia-a-dia, com o nosso cotidiano, porque aquelas imagens são muito próximas: a imagem do rio, essa questão do rio é muito forte. Você traz que tem um olhar externo, e a direção de arte trabalha muito com pesquisa. Então, mesmo uma pessoa que não vive no Nordeste, mesmo uma pessoa que não vivencia aquelas imagens, ela é capaz de criar imagens muito próximas e que trazem à gente essa ideia da realidade, dessa imersão, por fontes de pesquisa. Então, a gente sabe que o pessoal veio para cá, fez todo um laboratório, conheceu os espaços. E talvez uma das coisas mais interessantes de Velho Chico tenha sido justamente a questão temporal, porque a gente olhava para a novela e falava: "em que época se passa? Onde estou aqui? Em que lugar está esse espaço-tempo?", acho que isso chamou muito a atenção da gente na época de escrever. E essa questão dessa dramaturgia expandida, que vem dessa pesquisa de imagem, que acho que é o principal. A gente fala muito de direção de arte porque já é uma coisa muito específica; mas trabalhar direção de arte é trabalhar a imagem, é trabalhar uma composição visual. Então, eu sempre gostei de entender um passo atrás: o que vem antes disso? É justamente esse entendimento sobre a imagem. Então, esses dois textos, apesar de, a princípio, não terem nenhuma relação em relação ao tema, em relação até ao modo como foram construídos, o tipo de evento. Mas, para mim, eles têm esse fio que conduz, que é justamente a questão da imagem.

Juliana: Uma das funções que você falou da direção de arte é de criar sentidos e simbologias narrativas. Eu queria entender como isso funciona, e agora que você falou da pesquisa, se você pudesse concretamente falar de alguma experiência sua de como a pesquisa ajuda na criação desse sentido.

Dorotea: Imagine o seguinte: você quer fazer um filme que se passa na década de 1980. Você pode até ter vivido a década de 1980, mas essa década de 1980, para você, fez sentido dentro da sua casa, da sua vizinhança, com seus vizinhos, com seus amigos naquela escola. Mas você vai falar sobre uma década de 1980 de uma cidade do interior do Pará. Será que a década de 1980 dessa cidade do interior do Pará é a mesma década de 1980 do interior da Bahia? Provavelmente não. Então, a gente faz esse trabalho de pesquisa para saber o que estava acontecendo na década de 1980 lá. Isso acontece muito. Por exemplo, meus alunos adoram, são fascinados pela década de 1980 e 1990. Na verdade, foram décadas realmente fascinantes, todo mundo adora, muitos filmes trazem também isso, então acho que a gente acaba consumindo muito essas imagens das décadas de 1980 e 1990. E aí eu sempre pergunto: "como é o quarto de um adolescente da década de 1980 ou da década de 1990?" - que são décadas até distintas, mas que a gente acaba juntando um pouco o final de 1980 com início de 1990. Aí todo mundo fala: "é um quarto cheio de posters com várias bandas de rock, com várias bandas pop, e tem pôster de Madonna, tem poster do Michael Jackson", o pessoal começa a falar isso: "tênis tal..." - que não vou fazer merchan aqui - "... que o pessoal usava. Na estante tem que ter um walkman". Será que todo mundo da década de 1980 teve essa mesma experiência? Possivelmente não. Essa década de 1980 que a gente tem no nosso imaginário é uma década de 1980 que veio muito dos filmes norte-americanos - mais especificamente dos Estados Unidos - e que a gente consumia muito na Sessão da Tarde, até hoje a gente consome. Então, isso fica no nosso imaginário. A direção de arte, além de trabalhar com esse imaginário, que é uma coisa conhecida - é quase um senso comum das imagens - a gente trabalha com essa fonte de pesquisa. Eu sempre falo muito em imersão: você assiste a um filme, você assiste a qualquer tipo de - não só um filme, pode ser uma série - narrativa audiovisual, você olha para aquilo e se conecta com aquilo a partir do significado que você consegue gerar com aquilo. Você olha para uma imagem e aquela imagem não lhe transmite nada, eu não vou me conectar; e eu me conectar não é só me emocionar: "eu chorei, eu sorri", não. É, às vezes, entender o que é aquela imagem, porque as nossas imagens são polissêmicas. Imagine uma cruz: uma cruz pode significar muita coisa para muita gente - não vou entrar na semiótica. Se eu escolho colocar uma cruz no meu filme, ela tem um significado, mas eu tenho que ter a certeza de que o significado que vai estar ali é o que a pessoa vai entender, porque, de acordo com a vivência de cada um, de acordo até com as pesquisas que cada um já fez na vida, aquela cruz - ou qualquer outro objeto - pode ter um significado muito diverso. Então, é papel da direção de arte criar o sentido e criar o significado a partir da imagem que é produzida e que faz essa conexão com a vida de quem está assistindo. E é por isso que filme faz sucesso, é por isso que a gente fica ali, é por isso que a gente assiste uma série e fala: "essa série é tudo para mim, essa série é a minha cara", por que é a minha cara? Porque foi feito para você. Se não fosse feito para você, você não ia se interessar. Eu lembro de uma propaganda bem recente que passou no SBT que usava uma linguagem bem específica - e isso é muito da Publicidade e Propaganda. Acho que era que os NPCs vão voltar, os NPCs vão dominar o mundo, qualquer coisa do tipo, e no final falava: "se você não entendeu essa mensagem é porque não é para você", e era para a galera que joga. Quem joga, sabe o que é um NPC, e quem não joga talvez não saiba. Então, pode até saber por outros motivos, mas não por ser jogador. Então, é você criar uma mensagem e vincular essa mensagem ao emocional e ao sentimento daquela pessoa que está assistindo.

Leyberson: E o que é NPC?

Dorotea: O que é o NPC? Você quer saber mesmo o que é o NPC?

Leyberson: Acho que é legal também, a gente faz esses momentos de tecla SAP e também curiosidades.

Dorotea: O NPC, dentro do jogo, é um personagem que você não joga. É um personagem que geralmente é criado para dar ambientação, para poder fazer parte, mas é praticamente você e o computador, você e aquela inteligência que você não joga com aquilo. Basicamente é isso.

Leyberson: Assim como tem a imersão, que busca a realidade de fato e não somente aquela contada do imaginário, também tem a parte do nonsense, que é tentar brincar com o imaginário sem um compromisso com a realidade - como chover dentro de uma igreja. Queria que você comentasse isso também, esse movimento que a própria direção de arte faz no universo.

Dorotea: Eu não sei nem se eu usaria essa palavra nonsense, porque, para mim, faz todo o sentido. Mas a direção de arte também trabalha muito com os elementos fantásticos. E a gente tem muita gente que, inclusive, trabalha com muitos filmes, com muitas referências desse cinema fantástico, essas realidades fantásticas. Tem um aluno meu, o Marvin, que fez um filme chamado A Vida É Pra Valer.

Cristóvão: Olha só como eles cresceram. Vou lá do outro lado ver como está o restante, vamos?

Menina: Não.

Cristóvão: Está com medo? Medrosa.

Menina: Não estou.

Cristóvão: Está com medo.

Menina: Para, senão vou falar com a mamãe.

Cristóvão: Medrosa. Fica aqui, então, que vou no outro lado e volto, está bem?

Menina: Não tenho medo de nada.

Espantalha: Mas vejam só, que menina corajosa.

Menina: Menina pode ser corajosa, sim.

Espantalha: Sério? E você tem coragem de brincar com a Espantalha?

Dorotea: E nesse filme, tem uma espantalha, e a espantalha fala com a criança. A criança vai lá, chega até a espantalha, conversa com ela. Tem uma chuva que é uma chuva de fita. Tudo isso foge desse nosso padrão realidade, do que a gente chama de realidade, essa coisa dura que nos cerca: um monte de gavetas, um monte de muros. Quando a gente vai realmente para a abstração é quando a gente vai para a imaginação. E a direção de arte, quando trabalha com isso - não sei se é porque sou eu - eu adoro ter a possibilidade, porque abre tantos caminhos. Quando você imagina: "eu vou pensar uma chuva", a primeira coisa que a gente pensa de chuva é chuva de água. Por mais que você tenha assistido Tá Chovendo Hambúrguer ou qualquer coisa do tipo, que a gente fala: "vai chover canivete", tem várias expressões em relação a chuva, mas brincar, por exemplo, com a chuva é uma coisa que a gente pode fazer na direção de arte. A gente tem que ter um cuidado, que não é todo filme que vai aceitar essa brincadeira. Então, é uma coisa que eu sempre digo: a direção de arte não está ali sozinha no filme. Tem que conversar com a direção geral, tem que conversar com a direção de fotografia, porque são núcleos que a gente tem dentro do filme e que, se todo mundo não estiver muito conectado, não gera uma sinergia para que o filme aconteça. Eu não posso brincar com a chuva, por exemplo, se for um filme que realmente tenha uma pegada mais realista. Então, se eu tivesse espaço, vários filmes - como, por exemplo, Harry Potter; e séries também, como Stranger Things - têm alguns espaços que permitem que a gente possa usar a nossa criatividade para algo que seja fantástico. A gente chama realmente de realismo fantástico. Então, um elefante que fala, essa espantalha que fala e brinca, uma parede que vira um determinado personagem, e tudo isso passa pela direção de arte também, tudo isso é uma criação de imagem. E por mais que isso pareça nos afastar da realidade, não afasta, porque a gente sempre traz algum tipo de característica que faz justamente essa aproximação, porque é essa aproximação que gera identificação. Se for uma coisa muito longe de tudo que conheço, eu vou passar a cena toda - ao invés de prestar atenção na cena - perguntando: "o que é isso? O que está acontecendo ali?". Então, a gente não desvia a atenção para o desconhecido. Pode observar: mesmo que você tenha um bicho, um monstro, ele é próximo de alguma coisa que a gente conhece do nosso imaginário. Se a gente tem alguma coisa que se move de forma diferente, como isso se move? Se move parecendo uma aranha; não, se move parecendo um outro tipo de bicho, se move parecendo um humano. Então, a gente sempre tenta algum tipo de aproximação para que tenha essa identificação.

Juliana: Achei bem interessante, acho que vou tentar expandir um pouco mais a sua resposta. Pensando que você está sempre criando mundos ficcionais quando está tratando de ficção, série e filme, e isso parte muito do roteirista, do diretor, de criar regras de como esse universo vai funcionar, mas se tem a possibilidade de a direção de arte participar também, eu estava pensando como ocorre essa articulação, se tem regras próprias para a direção de arte, se ela propõe. Como ela se insere para criar esses mundos funcionais que, às vezes, são fantásticos?

Dorotea: Essa é uma excelente pergunta, Juliana. No geral, a gente recebe um roteiro e a gente vai trabalhar esse roteiro a partir de primeiras impressões, a gente vai trabalhar esse roteiro a partir das cores, a partir dos objetos, a partir do cenário. A gente vai pegar todas as matérias da direção de arte e a gente vai trabalhar esse roteiro. Dependendo da equipe que a gente está trabalhando, a gente pode ter uma abertura maior ou menor para propor alguma coisa. Geralmente, a gente costuma ter reuniões, discussões com a direção e com a direção de fotografia, que a gente chama do tripé da visualidade.

Isabel Paranhos: Eu sou a Isabel Paranhos, sou diretora de arte e figurinista. Essas três estruturas - a arte, a fotografia e a direção - para um filme ser legal, têm que estar super sintonizadas. Elas desenvolvem, previamente, um conceito - isso inclui andamento, cor, se vai ser realista ou não, como você vai tratar a imagem. Tudo isso é conversado por esse trio e definido antes do filme. Então, você já começa com um conceito sólido.

Dorotea: Que é a direção, direção de fotografia e direção de arte. Então, é esse tripé que vai formar a imagem que a gente vê na tela. Aí como eu falei: dependendo da abertura, a gente tem maior ou menor chance de propor alguma coisa diferente. Muitas vezes, no próprio roteiro, já vem muitas indicações sobre a arte. Eu sempre brinco com os roteiristas falando: "minha gente, deixa a pista, mas não traz tudo tão detalhado porque arte tem que ter espaço, e quem sabe o que a gente vai fazer é a gente". Mas é certo também que a direção de arte às vezes é um pouco desvalorizada em termos de orçamento - às vezes é o menor orçamento, menos gente também para trabalhar e a gente precisa de muita gente para trabalhar. Mas, de uma forma geral, é dentro dessas discussões. E a gente tem que ser muito bem articulado e saber o que a gente está fazendo para saber propor, porque isso vai mudar a estética visual do filme todo. Imagine se a pessoa da direção de fotografia propõe que o filme seja todo noir - aquele aspecto mais sombrio - e, de repente, a direção de arte está pensando numa coisa super colorida, está pensando numa coisa super alegre a partir da leitura do roteiro. Isso não casa. Então, tem que ter uma conversa, e aí vai... claro, não é bem uma disputa, mas alguém vai prevalecer - de repente, dependendo da ideia, alguém vai prevalecer naquilo ali e vai chegar a um conjunto. E tem que ser um conjunto bom para todo mundo, porque todo mundo vai trabalhar naquela mesma estética visual, e isso tem que acontecer e dá um resultado interessante para quem está assistindo.

Leyberson: E agora partindo um pouco para as discussões - que acho que se debateu bastante aí - sobre tecnologia e direção de arte. Cada vez mais, você tem esses elementos - você até discutiu isso - sobre a interação, por exemplo, você cita até o Lev Manovich, que fala sobre essas questões, as diferenças de novas mídias, e queria que você comentasse, na sua resposta, um pouco dessa visão. Mas eu pensei na questão do CGI, que é como fazer direção de arte em tempos de CGI, onde tudo é um fundo verde e que, depois, se transforma, e que se não ficar bom - sei lá, no trailer não ficar bom - se reconstrói; pensando nesses tempos onde tudo é factível fazer na frente de computador e só precisa ter as marcações dos lugares.

Dorotea: Então, Leyberson, essa questão da tecnologia, eu acho que a gente pode se beneficiar dela. Muitas coisas que, antes, a gente não podia criar, hoje a gente pode graças a essa tecnologia. Tem várias histórias de vários filmes - até o próprio Star Wars, que esperou as tecnologias existirem para poder descer. Então, acredito que a gente pode se utilizar dessas tecnologias. O problema é quando essa tecnologia é utilizada fora da direção de arte. Os efeitos visuais, os efeitos especiais têm que estar junto com o pessoal da arte. A gente tem que estar olhando o que está acontecendo. E o que acontece muito hoje é: "deixa isso aí para a pós-produção, deixa isso para o final", e vai deixando isso para o final, e isso depois pode criar uma falta de conexão - ou melhor, pode deixar de ter uma conexão - com o que foi feito antes. Se tiver conversa, se a pessoa fizer parte das reuniões, isso acaba agregando e não é uma coisa ruim. Ruim é quando realmente isso é totalmente apartado da direção de arte, e a gente às vezes nem sabe o que acontece. Tem um exemplo que eu acho muito interessante: imagine uma bomba explodindo. Claro, a pessoa tem que saber, tecnicamente o que aquela bomba faz, como são os estilhaços daquela bomba, quais são as proporções; e a gente, que é da direção de arte, está preocupado com o cenário, com o figurino, com o que vai acontecer. A gente tem vários exemplos de filmes que a pessoa deveria estar com uma roupa suja depois de, por exemplo, rolar na areia, e a roupa aparece limpa, e aquela roupa não foi uma roupa, digamos, têxtil - não foi uma roupa que estava no figurino, foi algo feito depois na pós. Então, alguns pequenos cuidados que a gente poderia ter a mais, até com essa criação da imagem, porque senão a gente realmente... aí sim a gente se distancia da realidade, porque uma pessoa rolar na areia e não sujar a roupa não parece ser muito factível. A gente quer realmente ter essa ideia de que aquilo realmente aconteceu. Essa questão das tecnologias que você traz, até do Lev Manovich - eu chamo Manovich, mas já vi também o pessoal chamando de Manovich - ele traz essa questão das novas mídias. Na verdade, ele tem uma bíblia - o livro dele é uma grande bíblia falando dessas características. E eu acho que, talvez, uma das perguntas mais importantes que ele faz é: o que é uma nova mídia? O que precisa acontecer para a gente chamar alguma tecnologia de nova, alguma mídia de nova? Porque se a gente for pensar bem, o que caracteriza uma mídia antiga? É quando uma geralmente surge em seu lugar; mas nem sempre uma nova mídia ou uma nova tecnologia - não que sejam sinônimos, mas trazendo para esse campo das novas tecnologias - substitui a anterior. Às vezes ela vem a agregar. Então, talvez pensar nessa questão do que seria essa nova mídia também reflete muito para a gente na direção de arte. Eu lembro que eu fiz um curso de fazer miniaturas, de fazer pequenos cenários - grandes castelos na palma da minha mão - principalmente voltado para cenário, e aí fiquei me perguntando durante o curso todo: qual seria a utilidade daquilo? Porque era tudo muito manual: a gente trabalha com isopor, com tinta, com cola, com vários elementos - silicone, borracha. Tinha um momento que eu falei: ok, qual o espaço disso aqui ainda hoje de fazer isso tão artesanal, tão manual? E aí eu perguntei ao professor, e ele falou: "é uma questão de estética, de apuro estético da direção e também da direção de arte para saber o que cabe naquela produção". Porque, de fato, a gente tem tecnologias para fazer tudo, mas as nossas mãos também são tecnológicas. A nossa tinta é uma tecnologia, o nosso isopor é uma tecnologia. Então, a gente também não pode fechar os olhos para essas outras tecnologias e que podem trazer outras camadas de significado que não é só aquela visão que a gente tem da imagem técnica - aí já estou falando de Flusser.

Caio Souto: Hoje eu vou conversar com a Camila Mozzini-Alister.

Camila Mozzini-Alister: E aí que ele vai dizer que vai nascer a imagem técnica, que é uma imagem que não é mais manipulável pela mão humana, mas através só de botõezinhos: eu aperto um botão e eu produzo uma imagem. Não é mais a imagem feita através da pintura, através do desenho; é uma imagem que é feita através de mecanismos herméticos, automáticos, como se fosse uma caixa preta que eu não entendo, como se fosse um cérebro próprio que eu não sei muito bem quais são as programações - só tenho que ir lá e apertar o botãozinho para ele funcionar. Só quem sabe é o engenheiro ou especialista; mas o usuário não sabe como funciona, ele apenas faz uso do dispositivo de forma não-especializada. Então, essa imagem técnica que ele vai descrever, toda a filosofia dele está baseada na imagem fotográfica como imagem técnica, e dessa imagem, a gente pode expandir para qualquer tipo de imagem, inclusive as imagens que a gente está falando agora: digitais, mediadas através de aparatos eletrônicos, com raios de radiofrequência que estão levando os nossos sinais. Tudo isso também é uma decantação dessa possibilidade da imagem técnica. Então, essas imagens técnicas vão se modificando. E o Flusser vai dizer que a condição para a gente desvelar a imagem é entender o seu plano, é estudar o plano da imagem - qual é a superfície de inscrição da imagem, como a imagem está sendo gravada nessa matéria, como a matéria é dobrada para dar vez e dar suporte para a imagem. A gente pode pensar no nosso smartphone, por exemplo. Olha que loucura: o smartphone é o primeiro aparato da história da humanidade em que, pela primeira vez, a gente toca a tela e, pelo toque do meu dedo na tela, eu consigo manipular a imagem sem nenhum mediador de material isolante. É o campo eletromagnético do meu dedo junto ao campo eletromagnético da tela capacitiva que, em contato, geram essa manipulação da imagem através de um nanochoque. Então, a gente está literalmente, pela primeira vez na história da humanidade, botando o dedinho na tomada e trocando corrente elétrica com os aparatos, afetando o nosso sistema nervoso, entrando em processos de simbiose energética com os nossos aparatos eletrônicos. Então, eu acho isso muito interessante. Que tipo de imagem técnica, que tipo de plano a gente está inserindo a imagem técnica hoje?

Dorotea: A imagem técnica é essa imagem mais tecnológica, mas o fazer aquela imagem, construir aquela imagem, isso tem uma história, e foi isso que eu entendi quando ele falou. É claro que existe uma questão de mercado - e, hoje, se a gente for pensar no filme, dependendo do que a gente for fazer, às vezes é até mais barato uma questão de você usar uma tecnologia de ponta - você usar computadores, toda essa parte digital - do que você, às vezes, construir; mas dependendo do resultado que você quer, faz toda a diferença. Imagine Meu Pedacinho de Chão, imagine o Hoje é Dia de Maria só com CGI - não ia ser Meu Pedacinho de Chão, não ia ser Hoje é Dia de Maria. Imagine a novela das seis que está agora - estamos em 2022 - Além da Ilusão, tem vários efeitos especiais, que o rapaz é mágico e tal; mas você vê a questão do tecido, você consegue sentir a textura. Você olha as casas, você vê as ruas, você se transporta para a década de 1940, naquela... quase uma vila ali naquela cidade. E isso, talvez, apenas fazendo com um fundo verde e colocando um chroma key, de fato, não teria essa mesma percepção, essa mesma sensação. E eu sou entusiasta da questões manuais, eu sou entusiasta da questão artesanal, eu gosto de pintar coisa e ficar parecendo que é granito, da pintura de arte, eu gosto de fazer rachadura na parede. Eu realmente gosto dessas coisas, isso me alimenta muito. E disso, ainda tenho essa questão pessoal, preferência dessa textura, dessa estética.

Juliana: Você mencionou figurino e muito no sentido de coerência: se a pessoa rolou no chão, a roupa tem que estar suja. E me fez lembrar 3%, na primeira temporada, no mundo apocalíptico, as pessoas estão usando roupas que parecem cortadas com tesouras. Na segunda temporada, já tem um trabalho com figurino bem melhor, de você achar que aquela roupa está desgastada, está suja, e de elementos também culturais. E aí eu queria pedir para você falar um pouquinho como o figurino se encaixa em direção de arte e quais são os desafios para construir um figurino que se encaixe naquela obra, que crie aquele sentido.

Dorotea: O principal da direção de arte é cenografia, maquiagem, figurino e os efeitos visuais, a caracterização dos personagens de uma forma geral e o espaço onde esses personagens vão habitar, trabalhar. E o que acontece? É muito comum a gente ver até créditos mesmo deixando a direção de arte só com o cenário, como se direção de arte fosse o cenógrafo ou a cenógrafa, e aí você tem separado maquiagem e o figurino. A direção de arte concentra justamente todas essas coisas - acho que talvez o primeiro grande desafio seja encontrar uma equipe coesa, seja encontrar pessoas que pensem dessa forma, que conheçam o que é a direção de arte, para não ficar parecendo que cada equipe vai trabalhar separadamente. Quando a gente faz o trabalho, quando a gente faz o projeto de arte, a partir de um roteiro, a partir dessas discussões, a gente pensa a maquiagem, a gente pensa o figurino, e o figurino requer muita pesquisa - assim como a cenografia também, claro, a maquiagem também. Mas o figurino tem uma questão, principalmente, que fala: "uma novela de época, um filme de época", toda novela e todo filme é de alguma época. Então, a gente tem que pesquisar aquela época, a gente tem que saber o que as pessoas estavam usando: "mas eu vivi nos anos 2000 e eu sei o que as pessoas estavam usando", não. Você pode até lembrar o que você usava, mas aquela personagem específica que trabalhava naquele lugar específico, o que aquela pessoa usava? Era um uniforme? E dentro de casa, o que ela usava? Então, é também você compreender o personagem. Se você não entende o personagem, você não veste aquele personagem, porque a cor que ele vai estar vestindo, o que ele ou ela vão estar vestindo. Porque faz toda a diferença eu colocar a minha personagem usando uma blusa de uma cantora pop e colocar ela com um vestido; mas ainda assim pode ser a mesma pessoa - a pessoa que gosta do vestido pode gostar daquela mesma camiseta. E, para isso, tenho que entender quem é a minha personagem. Se a minha personagem é médica, em algum momento, ela vai ter um guarda-roupa branco, porque ela vai participar de eventos vestida de branco, porque ela vai para o trabalho vestida de branco; mas se ela não é médica, ela pode gostar muito de branco e ter um guarda-roupa todo branco. Como eu vou saber se ela gosta muito de branco? Eu tenho que entrar com tudo na vida dessa personagem. Eu tenho que entender o que ela faz, o que ela gosta. Acho que talvez um primeiro desafio seja uma questão mais técnica de equipe mesmo, da gente pensar isso junto com a direção de arte, porque a gente tem que pensar em cor, a gente tem que pensar naquele cenário. Tem até algumas pesquisas que falam que figurino também é cenário - isso principalmente também no teatro, na dança. Mas é pensar que aquilo ali vai compor uma cena. Aquele figurino não vai estar sozinho voando - até pode, mas, de uma forma geral, não vai estar sozinho voando - ele vai estar vestindo alguém. E esse alguém tem personalidade, esse alguém tem família, esse alguém viaja, esse alguém pode ser uma pessoa mais confortável, que gosta mais de estar confortável, então de repente pode ser uma pessoa que precisa usar um salto alto por conta do trabalho, mas vai precisar de um salto mais grosso, porque gosta de conforto. Então, são pequenos detalhes que a gente vai olhar para aquele personagem e vai criar aquele personagem. Então, primeiro, tem esse desafio técnico, e esse segundo desafio, que é você pensar realmente e pesquisar, entrar a fundo na vida daquele personagem. Não é fácil - aliás, nada da direção de arte é fácil. É porque é tudo muito complexo, mas é muito gostoso quando você consegue perceber. Tem algumas... não sei se vocês vão lembrar de Babalu - não vou lembrar a novela, mas lembro de Babalu - que era a Letícia Spiller. Você sabe identificar o figurino de Babalu, e me lembra muito aquela menina Ísis Valverde, que agora esqueci o nome da personagem que ela fazia, mas que tinha um cintinho dourado, sempre vivia com a calça abaixo da cintura. Não sei se era Raíssa, alguma coisa assim - eu realmente não vou lembrar o nome da personagem dela - mas você lembra daquele figurino. E tem figurinos que realmente marcam muito. A gente tem os figurinos considerados de época também, década de 1920 e até séculos passados. Então, o figurino realmente marca bastante, e para marcar, tem que ser bem feito - como tudo na direção de arte. A gente está criando imagem, a gente não pode imaginar que aquilo ali não exista. E tem um detalhe, Juliana, que acho que vai muito também no que você me perguntou: tem alguns tecidos que não existem em algumas épocas. Então, não adianta a gente querer usar um determinado tecido - olha o nível de complexidade disso. Não adianta a gente querer usar um determinado tecido ou uma determinada cor - tem cores que não são usadas em determinadas épocas, tem cores que não são usadas por determinadas classes sociais. Então, tudo isso faz parte de um projeto de pesquisa. O tempo todo, a direção de arte -  seja para cenografia, para figurino, para maquiagem - é pesquisa. Pesquisa do início ao fim.

Leyberson: Parece que há uma necessidade de fazer uma sinergia e uma simbiose muito grande entre os papeis de direção - existem vários personagens em cena, então se você está pensando no salto grosso ou fino enquanto o outro está pensando no que está passando pela cabeça do personagem, a fotografia de como está sendo colocado visualmente. Então, para mim, fica essa curiosidade: a dificuldade que é o processo cinematográfico ou dramatúrgico também. E a minha pergunta, para a direção de arte em específico... deixar, primeiro, o microfone aberto para você para falar se tem novas questões a serem discutidas e se existe alguma questão em específico que você está mais atenta nesse momento, e quem sabe até uma perspectiva de pesquisa, de trabalho. Por onde está o seu olhar na direção de arte agora?

Dorotea: Leyberson, que pergunta maravilhosa, eu adorei você ter feito essa pergunta. Porque, sim, existem muitas questões: as questões estão borbulhando. A gente, dentro do VISU - que é o grupo de pesquisa e extensão em arte, imagem e visualidades da cena - uma das linhas de pesquisa da gente é a direção de arte. A gente trabalha com a imagem de uma forma geral, mas um dos pontos é a direção de arte. A gente tem acompanhado muito a mudança visual que tem acontecido nos filmes. De que forma? A gente tem mais personagens negros, mais personagens trans, a gente tem outros tipos de cenário sendo construídos, as novelas não são só em Copacabana - isso tem mudado. E com essa mudança, a gente também está mudando a forma de ver e a forma de fazer filmes. Isso é imagem. Quando a gente mexe com isso, a gente muda. Tem um termo que a gente tem pesquisado - tem uma aluna minha chamada Ianca, que ela também está muito interessada. Eu falo de Ianca porque Ianca tem trabalhado muito visualmente com muitos filmes, e é a questão de visualidades periféricas. A gente começou, na verdade, pensando em visualidades não-hegemônicas, foi um trabalho árduo para pensar o que seriam essas novas visualidades. Mas é justamente essa visualidade que foge da questão hegemônica e do que a gente conhece do padrão cinema - daquele quarto do adolescente do início da nossa conversa, da década de 1980 - e pensar: existem outros quartos de adolescentes na década de 1980 numa favela, numa comunidade, numa periferia. Existe o quarto do adolescente que talvez nem fosse exatamente um quarto, fosse uma cortina separando o único cômodo da casa. Onde aparece essa visualidade? E aí depende da gente, do que a gente vai fazer, a partir do que a gente vai trabalhar e o que é importante para a gente mostrar. Na UFRB, a gente tem trabalhado muito com questões autorreferenciais. Então, os estudantes são cada vez mais incentivados a falar da sua trajetória, a falar daquilo que eles veem e daquelas imagens que eles querem criar. Eu tenho estudantes que fazem trabalhos junto a comunidades, por exemplo, com videoclipes, para trazer outras músicas e outros olhares em relação à música para essa cena. Quem sabe, um dia, a gente não precise chamar isso de exceção? Quem sabe, um dia, a gente não precise dizer que isso não é também hegemônico, que isso possa estar dividindo espaço da mesma forma? Mas, por enquanto, isso ainda é necessário. E quanto mais a gente fala sobre isso, mais a gente percebe o quanto a gente sabe pouco e o quanto ainda tem para desbravar, o quanto a gente ainda tem para conhecer e criar essas imagens. Eu acho que o que me interessa, hoje, Leyberson, é justamente pensar em como pesquisar, encontrar isso em outros cinemas: é o cinema sul-coreano, o cinema africano - em todas as Áfricas que existem e em todos os países, porque, assim como o Brasil é muito diverso, os países africanos também são muito diversos - China, Japão, seja lá onde for, que fuja dessa coisa mais eurocentrada e também muito dos Estados Unidos, mas também nada contra. Cresci assistindo, vou continuar assistindo, são filmes de muita qualidade, adoro, vou para a fila do cinema; mas que a gente também tenha outras imagens rodando, e que a gente tenha outras imagens para mostrar. Então, hoje, o nosso interesse - e o meu, especificamente - é muito em pesquisar e criar essas novas imagens, até o dia que a gente não chame mais de novas. Aí a gente volta a Lev Manovich: até o dia que a gente não precise mais chamar de nova e que outras imagens surjam, e que outras visualidades também surjam.

Juliana: Bem, a gente esgotou o tempo. Então, quero agradecer a participação da Dorotea e deixar o microfone aberto se alguma coisa que a gente não perguntou e você quiser complementar.

Dorotea: Acho que foi muito bom, estou muito feliz de estar aqui com vocês. Eu agradeço imensamente o convite - e não agradeço só por uma questão de formalidade, eu agradeço porque é sempre muito bom falar de direção de arte. Vocês são ótimos, são maravilhosos, desejo vida longa ao Dazumana, esse podcast maravilhoso. Espero que muita gente ouça, espero que muita gente entre em contato. E é isso, acho que a gente conseguiu falar de muita coisa. Eu nem esperava que a gente fosse conseguir falar de tantas coisas. Achei ótimas as perguntas que vocês fizeram, estou muito feliz. E é isso, não tenho nada mais para falar, só agradecer.

Leyberson: A gente agradece também. Na verdade, fica muito feliz com suas palavras. E bola para a frente, estamos na terceira temporada, vai vir mais. E a gente encerra o episódio avisando que o Dazumana está no YouTube e em várias plataformas de podcast: Spotify, Google Podcast e iTunes. E daqui a 15 dias, a gente vai voltar com mais um episódio desta temporada. Se vocês quiserem enviar sugestões, o nosso e-mail é: voz@dazumana.com.

Juliana: Este projeto é realizado com recursos do Fundo de Apoio à Cultura do DF. E é isso, até a próxima. Dazumana, a ciência sem jaleco.


00:00 - BLOCO 1: LOCALIZANDO A DIREÇÃO DE ARTE
Pouca valorização
Trajetória no campo
Publicidade
Documentário
Filme "Só dez por cento é mentira"

9:55 - BLOCO 2: A ARTE NA NARRATIVA
Novela "Velho Chico"
Visualidade
Pesquisa
Dramaturgia expandida
Sentidos e Simbologias
Década de 1980 e 1990
Filme "A vida é para valer"
Fantástico

21:21 -  BLOCO 3: SINERGIA NA EQUIPE DE PRODUÇÃO
Interação com outras equipes
Tripé da visualidade
Tecnologia e novas mídias
Continuidade
Vilém Flusser
Figurino
Mudança visual dos filmes


FICHA TÉCNICA:
Entrevistada: Dorotea Bastos
Pesquisa e locução: Leyberson Pedrosa e Juliana Mendes
Gestão e Produção executiva: Carolina Villalobos
Redes sociais: Gabriella da Costa
Montagem: Juliana Mendes
Edição: Thais Rodrigues
Site: Vinicius Cortez
Desgin gráfico: Diana Salu
Ilustração: Juliana Mendes
Transcrição: Audiotext

CRÉDITOS:
Trilha sonora em CC - Little hymn de Stefan Kartenberg (http://ccmixter.org/files/JeffSpeed68/61297)
Efeitos sonoros - Audio Library do YouTube (https://www.youtube.com/audiolibrary)

Vídeo 1 (comentário): UNIRIO Teatro Musicado - DIREÇÃO DE ARTE PARA O TEATRO MUSICAL | Masterclass com Cris de Lamare (https://youtu.be/tQqVLDKWOJg)
Vídeo 2 (comentário): Letrasinverso - Manoel de Barros - Só Dez por Cento é Mentira (https://youtu.be/VG4P_mWWAI0)
Vídeo 3 (comentário): Marvin Pereira - A Vida É Pra Valer | Curta-metragem | Direção: Marvin Pereira (https://youtu.be/O2hWae_y7nQ)
Vídeo 4 (comentário): Educação Continuada PUC-Rio - CCE PUC-Rio: Aula aberta: direção de arte (https://youtu.be/QwlTNP9H-UU)
Vídeo 5 (comentário): Caio Souto - Flusser, imagem técnica e antropotecnia: por uma educação das redes sociais | Camila Mozzini-Alister (https://youtu.be/H1eHw04vHuM)