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Narrativas imersivas

E se um filme imersivo te fizesse falar Kusunda no meio de uma floresta dos Himalaias? Em uma realidade imersiva, isso é possível. Mas depende do design de interação, do fomento aos produtos em VR e de se pensar o roteiro de forma bem diferente do formato tradicional. Neste 3ª episódio sobre novas mídias, o roteirista, pesquisador e professor da PUC do Rio de Janeiro, Rafael Leal, nos conta sobre suas experiências imersivas e de novas formas de se pensar o roteiro para produções em realidade virtual e aumentada.

O Dazumana é um podcast informativo de divulgação científica. Comentamos fatos da vida para entender as teorias, sempre com finalidades educativas. Artigo 46 da Lei 9.610/1998.

Juliana Mendes: Olá, este é um novo episódio do Dazumana.

Leyberson Pedrosa: Imagine você no meio daquele seu filme favorito e acabou de colocar um óculos de realidade virtual. De repente, você quase toca aquele personagem que te comove ou tem que sair correndo de uma criatura assustadora. Bom, realidade virtual ou aumentada, pode nos transportar para mundos mágicos.

Juliana Mendes: E como será que a gente pode usar esses conceitos no cinema? Como o roteiro é construído para criar uma obra que seja imersiva e interativa? Para responder algumas dessas questões, vamos conversar com nossos convidados de hoje, Rafael Leal. Olá, Rafael, tudo bem?

Rafael Leal: Oi, Juliana, oi, Leyberson, muito obrigado pelo convite, é um prazer participar com vocês aqui do Dazumana.

Leyberson Pedrosa: Bom, Rafael, a gente tem um ritual bem sagrado aqui do Dazumana e a gente vai trazendo o seu currículo, currículo Lattes, me perdoe a pronúncia do inglês. O Rafael que está aqui com a gente ele é autor e produtor de cinema e televisão, criador das séries A Dona da Banca, no CineBrasilTV, e do Jungle Pilot da Universal. É roteirista do longa-metragem Cedo Demais da Fox e a série As Canalhas, GNT. É doutor em cinema pela Universidade Federal Fluminense, pesquisa realidade virtual, é consultor de roteiro e produtor de todo o Brasil e também de países da América Latina, além do Brasil, obviamente. O Rafael é sócio da produtora  Dédalo, que foi fundada em 2014 com Marton Olympio. Além disso, o Rafael é professor da PUC do Rio onde dá aula em disciplinas de roteiro no curso de Letras, Artes Cênicas e Cinema. Faz parte do conselho executivo do SRN (Screenwriting Research Network), principal associação internacional de pesquisa acadêmica e roteiro. Também é conselheiro da Associação Brasileira de Autores Roteiristas, ABRA, e, Rafael, peguei um fôlego aqui, tá faltando alguma coisa?

Rafael Leal: Não, é exatamente isso.

Juliana Mendes: Então, a gente começa com a nossa conversa. Lendo o texto eu percebi que as suas inquietações de pesquisa têm muito a ver com a produção em si, você percebia dificuldades na hora de escrever pensando em um roteiro que não fosse linear e plano, e eu queria perguntar pra você como é que foi a trajetória pra chegar nesse objeto.

Rafael Leal: Quando eu me formei na graduação, na faculdade de Cinema da UFF, eu fiz a minha monografia sobre Domingos Oliveira, que era um diretor de cinema que eu já havia trabalhado, tinha alguma proximidade. Houve até um convite, uma sugestão de um dos professores da banca pra que eu desenvolvesse essa pesquisa no mestrado, mas eu fiquei com alguma relutância em adotar uma abordagem histórica no mestrado, ou pesquisar obra de um cineasta por algum viés estético ou político, não tinha muita afinidade com esses temas, levei muitos anos até voltar pra academia pra fazer o mestrado dentro da proposta de fazer uma pesquisa que complementasse a minha atuação como roteirista profissional. No mestrado acabei pesquisando: processos criativos dramaturgia seriada, ainda faço como principal atividade profissional. Em seguida, no doutorado, também pouco disposto a olhar pro passado eu estive em busca de um objeto que despertasse não só o desejo de pesquisar pelos próximos quatro anos, mas como uma coisa que não envelhecesse muito, que me permitisse pesquisar as vanguardas do meu trabalho dentro do ambiente acadêmico. Por conta dessa minha relação que foi sendo desenvolvida dentro da SRN, eu vi que em outros países é muito comum essa pesquisa baseada na prática.

Amilton Quintela: A gente vai falar sobre pesquisa básica e pesquisa aplicada. Afinal, qual é a diferença entre esses tipos de pesquisa. Uma pesquisa teórica voltada para ampliar conhecimento, a básica. A aplicada é direcionada a uma realidade e tem como objetivo investigar um caso específico, promover uma solução, gerar impacto em uma realidade específica.

Rafael Leal: Aqui no Brasil, principalmente na área de Comunicação, ela não é tão comum e nem bem recebida em muitos lugares. E aí só quando o PPGCine lá da UFF lançou uma turma de doutorado que eu pensei que poderia ser um bom lugar para receber essa pesquisa, foi um match, deu supercerto, não é muito comum na academia de cinema você ver projetos ligados a tecnologia, no Brasil principalmente, na área de roteiro então, conciliando roteiro e tecnologia, aí é muito raro. Havia um clima propício pra essa pesquisa, tem tido um interesse cada vez maior em narrativas imersivas interativas como escritor e também como consumidor. Tenho feito muitos projetos nesse campo, achei que seria uma boa oportunidade também de conciliar a minha prática profissional com a minha trajetória de pesquisa.

Leyberson Pedrosa: Você traz alguns roteiros que você trabalha com imersão e interatividade e com tecnologia. Esses roteiros a maioria deles que foi transformada num produto final, se é assim que a gente pode chamar.

Rafael Leal: Esse capítulo da tese ao qual se refere, ele traz alguns dos meus primeiros roteiros de VR que foram uma tentativa minha de tentar me aproximar da escrita, então, antes de levar isso a realização audiovisual, eu procurei aprender, até porque tem todo um processo de levantar recursos para isso. Então alguns desses projetos serviram apenas pra curva de aprendizado mesmo, outros, como Depois do Silêncio, que é um deles, continuo tentando levantar recursos, viabilizar a produção, sei que eles precisam ainda de um aprimoramento, a luz da minha experiência mesmo, faz anos que eu os escrevi, alguns deles contem ideias que eu ainda quero desenvolver, mas nenhum dos três que estão na tese foi efetivamente filmado ou produzido. Eu conheço muitos roteiristas que tem uma carreira sólida, há anos, e foram pouquíssimo para o ar, porque a lógica do desenvolvimento de projetos, de roteiros, é diferente da lógica de produção. O próprio edital de Núcleos Criativos que a Dédalo ganhou em 2016, é um edital de desenvolvimento de projetos, simplesmente pensando no aumento da oferta de projetos amadurecidos no mercado como estratégia de aumentar qualidade, é um campo muito grande para os roteiristas, no qual trabalha muita gente e que  não necessariamente leva a produção automática ou leva um ciclo de anos para que essas obras cheguem às telas.

Leyberson Pedrosa: Me parece muito esse roteiro que você trabalhou, uma espécie também de programação, a necessidade de posicionamento, de inserção do corpo do espectador, do comportamento, isso é um hábito até de programação, que não necessariamente vira um programa ou aplicativo, etc. Não sei se você já fez essa comparação e se ela faz sentido considerando aí que você foi para o mundo da tecnologia, ou melhor, você resgatou um pouco mais a tecnologia para o cinema.

Rafael Leal: Uma das conclusões que eu chego na tese, é que o processo de desenvolvimento de roteiros, para narrativas imersivas interativas se aproxima mais do processo de desenvolvimento de código, de programação, do que particularmente do desenvolvimento de roteiros para cinema plano, linear. Estou louco pra fazer um curso de UNIT ou Unreal Engine 5, porque realmente acredito que são ferramentas com as quais eu vou ter um uso crescente nos próximos anos.

Wenes Soares: Game Engine é um software que fornece aos desenvolvedores o conjunto necessário de recurso para criar jogos de maneira rápida e eficiente. Muitas vezes com interface amigável, esse software fornece um conjunto de recursos que facilitam a vida de um desenvolvedor, como importar facilmente objetos 2D e 3D, adicionar luzes, físicas, áudios e muito mais. Atualmente, existem algumas que são consideradas as mais usadas pelos desenvolvedores independentes e até por grandes empresas em alguns casos, sendo elas: UNIT, Unreal, Game Maker e, por fim, a Godot.

Juliana Mendes: Pensando que hoje em dia você tem em termos de fomento do audiovisual, alguns editais do FSA que estão voltando agora, têm editais locais, regionais e às vezes tem prospecção com streaming ou as TVs, mas que é um mercado mais fechado e de difícil acesso, isso fica mais complicado ainda quando a gente tá falando desse tipo de narrativa imersiva, ela é mais cara, mais difícil de ser produzida, de ter patrocinadores ou ter pessoas investindo em filmes assim?

afael Leal: Sim e não, não pelo lado de não ser mais cara ou mais difícil, é só diferente e sim no sentido de não haver ainda mais dos patrocinadores, caminhos institucionais dessa produção, não há quase editais específicos, tem um edital do FAC-DF que abrange obras imersivas, tem uma linha agora do PROAC do governo do estado de São Paulo, mas ainda não existe de maneira geral, obviamente, mecanismos consolidados de distribuição e rentabilização dessas obras. Algumas produtoras, como a Árvore, por exemplo, uma produtora excelente de São Paulo, uma das principais produtoras brasileiras de narrativas imersivas. A árvore tem uma vocação muito ligada aos jogos, então mesmo filmes que ela faz, que não são exatamente jogos, como por exemplo, A Linha, dirigido pelo Ricardo Langanaro, uma experiência imersiva feita em um circuito de arte, mas que está à venda para o consumidor direto por meio de plataformas, como a Meta Store, ou Steam, Meta Store que é a plataforma do óculos, do Facebook, e Steam que é uma plataforma de jogos independentes.

Leyberson Pedrosa: Onde que está a história da realidade virtual, que é o VR, e também a relação com a realidade aumentada?

Rafael Leal: Aí você tem dois assuntos grandes aí, que eu vou tentar resumir. O primeiro é essa diferença, de fato, entre os óculos que são equipamento específico de realidade virtual, como é o caso do Playstation VR, do óculos Quest, do Rift, do HCT vive, esses equipamento de ponta, digamos assim. Quando eu falo de narrativas imersivas, eu estou falando de realidade aumentada e realidade virtual. A realidade virtual, é uma expressão guarda-chuva que abriga algumas modalidades artísticas, que têm em comum o fato de estabelecerem um mundo virtual, um ambiente virtual, onde uma determinada história, experiência se desenrola. Então na realidade virtual o interator, o sujeito que está com óculos na cabeça, ele não está participando do mundo físico diretamente, ele está ali imerso em um ambiente virtual, essa é a principal característica da realidade virtual, ela pode ser mais ou menos interativa, só o fato de você ter um ambiente virtual 360° já o torna interativo, porque você passa a decidir com seu pescoço para onde vai olhar e a imagem vai se adequar a isso, ao contrário, por exemplo, do filme plano, que se você olhar para trás e não olhar para tela, você não está olhando o filme, em um filme 360, se você olhar para trás tem mais filme atrás, tem imagem circundante, você não está diante da cena, você está dentro dela. Alguns filmes como A Linha, por exemplo, que eu falei, ou A Chave, dirigido pela Céline Tricart, que também ganhou Festival de Veneza no ano seguinte, são filmes em que você vê alguma representação de você, você vê um avatar, no caso, você vê um avatar parcial, apenas as duas mãos que é o que você utiliza para interagir. Em um filme 360, que é meramente filmado com câmeras para todos os lados e tem essa imagem costurada no formato de uma esfera, o filme 360 é o que você consegue alcançar com um card board, com o seu celular em um suporte, que aí por meio do giroscópio e por meio sensor de posicionamento do telefone você consegue ter a imagem alterada e dá sensação de que está em uma espera, mas você não vai conseguir interagir com essa esfera, seu celular, pelo menos por enquanto, não vai reconhecer suas mãos, seus movimentos, nunca vi um vídeo 360 pra celular por reconhecimento por comando de voz, então as alternativas de interatividade são muito mais limitadas no vídeo 360.

Ana Spinelli: Fala, pessoal, aqui é a Playermushroom, há quase um ano eu fiz um vídeo falando sobre o Google Card Board, galera curtiu muito esse vídeo e eu fiquei devendo um segundo vídeo para vocês, então cá estou eu aqui hoje para mostrar alguns apps muito interessantes do Google Card Board para vocês, eu foquei mais em pegar apps mais passivos, apps que são só experiência, que você coloca Card Board e só experiencia o negócio, porque jogar, interagir com as coisas com Card Board é um pouco complicado, já tem só um botão de ação que é isso daqui, inclusive tem um arame grudado nele, não sei nem por que. Ele tem só um botão de ação, que é um ímã, que ele vai zoar um pouco com a bússola seu celular e aí o seu celular sabe que voce^está mexendo, então é um pouco complicado você jogar alguma coisa tendo um botão só para usar sendo que ele nem funciona direito às vezes.

Rafael Leal: Para completar, a realidade aumentada ela é um pouco promessa, ela ainda não está totalmente inserida no campo da produção de filmes. Os exemplos mais bem sucedidos de realidade aumentada hoje em dia são: os filtros do Instagram que inserem objetos virtuais em uma imagem real e também o jogo Pokémon GO, em que as pessoas saem com os seus telefones aí com a câmera aberta e por meio da tela elas veem objetos que elas não conseguiriam ver, porque não existem no mundo físico, só em um ambiente digital e aí o programa do jogo insere esses Pokémons dentro do espaço físico e você tem que jogar uma bombinha nele para capturá-los e aí você sai caçando Pokémons por aí. Mas em breve nós poderemos ter muitos outros usos para a realidade aumentada, um que eu falo sempre, que eu acho que é muito breve, você ter o aplicativo de navegação, tipo Waze, no para-brisa do carro, que é muito mais fácil que você interpretar um mapinha na tela do telefone. Acredito que em breve isso esteja disponível, as aplicações para a realidade aumentada na medicina, engenharia. Agora no teatro, no cinema, a gente ainda está especulando como isso vai se inserir, principalmente também por causa dos custos ainda hoje de se aplicar isso, mas não tenho dúvidas de que em um futuro próximo ou médio haverá obras muito interessantes utilizando realidade aumentada pra uma nova maneira de entretenimento, pra novas propostas, abordagens artísticas. Então, por um lado a gente flerta esteticamente com o cinema e com as artes visuais, mas por outro, também tem muito do jogo, da maneira como ele é consumido, mais do que como um filme no cinema ou no streaming, a experiência de realidade virtual ela é consumida como um jogo, por meio de uma plataforma que é usada muito para jogar por um dispositivo ou até mesmo videogame, Playstation VR por exemplo, nesse sentido a gente está amadurecendo o mercado, popularizando os dispositivos, essa popularização só vai se acentuar quando o preço cair, porque embora ele seja mais barato que um videogame, ainda não é exatamente barato comprar um óculos desse, custa mais de dois, três mil reais e também quando ele for mais leve, porque mesmo óculos meta Quest 2 que está em um bom lugar do espectro entre custo e benefício, ele pesa meio quilo, então ele limita o tempo que você pode ficar com ele na sua cabeça principalmente para pessoas mais velhas ou para crianças, tem uma questão anatômica do pescoço mesmo, ou seja, só com a evolução de telas, baterias, processamento e com a popularização desses equipamentos que a gente vai ver se consolidarem mecanismos de distribuição das obras de VR pelo mercado, para que inclusive elas possam se financiar.

Juliana Mendes: Lendo o texto, fiquei muito com a sensação de que para escrever o roteiro, o grande problema ou solução é que o interator, ou o público, você tem menos controle sobre ele, você não pode direcionar exatamente para onde você quer que ele veja, principalmente quando você está falando de 360 graus. E aí eu queria perguntar se você, um, concorda e dois quais são então as estratégias que a gente pode aproveitar considerando que você tem essa esfera divisão do interator?

Rafael Leal: Essa pergunta é muito interessante, primeiro, porque os roteiristas de cinema e televisão, eles tem um fetiche do controle, a ideia, pra mim, falsa até o meu último micrômetro de DNA, de que você pode controlar o significado que vai ser transmitido para o espectador, essa ideia pra mim é falsa como uma nota de R$ 3, desde o Barthes com a ideia de morte do autor ao nascimento do leitor, tanto com a ideia de obra aberta de Umberto Eco, quanto um espectador emancipado do Rancière. Uma gama de filósofos, principalmente da literatura, no teatro, nas artes visuais que reposiciona o espectador no papel muito mais ativo na construção do significado. Quando a gente leva isso para as narrativas imersivas interativas, além de trazer o corpo do interator como elemento de decisão, qual o impacto dessa narrativa no corpo dele, o que de modo geral não é uma grande preocupação do roteirista de cinema e televisão, exceto, por exemplo, nos casos dos filmes de violência, ou dos filmes de horror, ou dos filmes pornográficos ou de outros filmes que trabalham com essa categoria de afetos, de modo geral, roteiristas não prestam atenção nisso. No caso do roteirista de narrativa imersiva interativa, ele precisa prestar atenção nisso, porque o corpo do interator é decisivo para o formato final da obra, é o grande responsável final. Então mais do que determinar como eu acho que o espectador deva receber a minha mensagem e decodificá-la, interpretá-la, como eu vou ordenar os meus signos dramáticos para produzir uma expectativa de mensagem, na realidade virtual a minha preocupação é outra, é preservar o futuro como um espaço de possibilidades. Então eu escrevo pensando já nas suas possibilidades, eu vou te oferecer uma gama de possibilidades pelas quais você via criar o seu próprio caminho, a sua própria jornada e não partindo de uma lógica que eu estabeleci para você, que pode ser frustrante. Então quanto mais livre eu te deixo nesse ambiente, maior o seu potencial de imersão nele, e por isso o filme 360 totalmente linear acaba perdendo espaço para experiências mais interativas e principalmente a medida em que são desenvolvidas novas possibilidades de interação, novos recursos. Eu assisti a um filme interativo imersivo chamado Kusunda, esse filme é sobre o idioma Kusunda, é o idioma do povo Kusunda que vive no Nepal e esse idioma está em extinção, as pessoas mais velhas que falam esse idioma estão falecendo, já com idade avançada e não há uma transmissão, não é um idioma escrito, é um idioma eminentemente oral. Em determinado momento, você encontra lá com um ancião Kusunda na casa dele, ele está te contando várias histórias, ele vivia na selva.

Ancião Kusunda: A gente costumava viver e comer na floresta, esse era o nosso estilo de vida, o que eu posso te dizer sobre esquecer a língua? É uma sensação ruim, se eu tivesse oportunidade de falar o meu idioma regularmente você teria muito mais coisa para ouvir.

Rafael Leal: Você tem a opção de ouvi-lo contar de um encontro com um tigre ou com um urso e para fazer a escolha entre um caminho ou outro você tem que pronunciar tigre ou urso em Kusunda e eu fiquei muito impactado com essa possibilidade de interação, porque em um filme sobre o idioma que está desaparecendo, a diretora Gayatri e eu não consigo pronunciar o sobrenome dela, sobrenome indiano parece, ela faz você falar Kusunda em um filme sobre o desaparecimento da língua. Eu achei isso lindo.

Jovem Kusunda: Sim, eu tenho coragem e esperança que eu possa salvar o idioma Kusunda e sua cultura.

Rafael Leal: Nesse filme que eu mencionei também A Chave, a interação em algum momento você tem três bolinhas voadoras das quais você tem que cuidar, você só tem duas mãos, uma delas vai voar com o vento, e aí você vai experimentar uma sensação de perda, não vou dar o spoiler, mas tem tudo a ver com a temática do filme. Então essa maneira de eu não te contar uma história como eu estou te contando no cinema tradicional, mas eu te fazer viver uma história é muito poderoso, essa estratégia é muito poderosa e a gente está só começando a entender as possibilidades de interação. Um dos clichês eu vejo aí com frequência é de que ninguém ainda fez os Cidadão Kane da realidade virtual, eu ainda acho que a gente ainda está antes, a gente ainda está procurando as invenções do Méliès na realidade virtual, a gente está aqui tateando do que que esse meio é possível.

Leyberson Pedrosa: Como que é escrever roteiro de fato, você conta algumas experiências que você vai aprimorando, escrever, a questão do tempo da escrita, a questão que você também está lidando com, a gente vêm de uma lógica de jornal, de papel, de impresso para computador, que é uma reprodução também, não deixa de ser, sei lá o programa de edição é um papel escrito e palavras que vão correndo e no roteiro tem uma fonte que o pessoal acostumou a usar também. Como é escrever e como é talvez não escrever, porque você fala que tem algumas experiências que você escreveu muito pouco e o produto em si é bem maior que o tempo "de escrita".

Rafael Leal: A forma do roteiro ela se consolidou em relação ao cinema, lá pelos anos 40, a partir do momento em que a produção se organiza em Hollywood, nos Estados Unidos, com os seus mecanismos próprios, o roteiro se torna um documento em torno do qual a produção se dá, isso denota uma transferência do poder decisório dos diretores  para os produtores, que na hora de aproveitar aquilo tem um produtor de Hollywood tinha um carimbo que dizia assim Shoot as written, filmar como está escrito, e era o carimbo de aprovação dele, aprovei esse roteiro, você filma isso aqui, então os atores também passavam a decidir suas participações nos filmes a partir do roteiro, então o roteiro adquiriu uma centralidade e por conta disso, um determinado formato de roteiro que nós conhecemos como Master Scenes se consolidou. Então você bate o olho em um roteiro de cinema, até hoje que ninguém escreve em máquina de escrever e o roteiro continua usando a fonte da máquina de escrever, você bate o olho e fala, esse é um roteiro, só que o roteiro de realidade virtual, ele tem outras funcionalidades, ele tem outras demandas que não cabem nessas páginas, principalmente se ele for não linear, se for uma narrativa ramificada. Então essa pergunta do como é escrever um roteiro é muito complicado, porque cada caso é um caso, eu tendo a escrever com as ferramentas com as quais já estou acostumado, então eu sou apegada ao Final Draft que é o programa que a gente usa para escrever roteiros em lineares, então o que eu puder escrever nele eu vou escrever, mas eu utilizo muito também uma outra plataforma chamada Twinery é uma plataforma texto que me permite escrever narrativas ramificadas. Então, se no roteiro que imita o programa, e no processador de texto que imita uma página linear, eu tenho uma página depois da outra, onde eu vou colocar uma cena depois da outra, no Twinery cada página, cada cena é um bloco e eu ligo esses blocos por hiperlinks, eu coloco uma palavra entre colchetes duplos ele gera um hiperlink para o bloco que tem o nome daquela palavra e com isso que eu consigo montar uma árvore, toda uma arquitetura de ramificação, e aí na hora de ler esse roteiro ele gera um arquivo HTML, no qual eu posso navegar clicando pelos links e lendo as páginas quase como uma Wikipédia, por exemplo, inclusive ele utiliza um formato bem Wiki mesmo, atualmente eu tento combinar dependendo da natureza do filme que eu estou escrevendo, eu tento combinar um ou outro, mas a tendência é que com a complexificação das produções de realidade virtual e com o aumento do volume, de que a gente desenvolva aplicativos próprios para isso, um dos meus pontos principais da tese é que não necessariamente esses aplicativos nativos do ambiente imersivo serão baseados no texto, que afinal é um fenômeno linear e forçam a linearidade do pensamento ao você exprimir uma ideia por ele, então talvez eles não sejam, um exemplo disso Roblox ou Minecraft que são ambientes virtuais onde os usuários podem criar jogos ou experiências criando diretamente a visualidade da plataforma sem descrever uma imagem que vai ser construída por outro, então ao invés de eu descrever um altar, eu vou lá e coloco, inserir altar estilo tal, sabe, configuro e boto lá, mesmo que seja um rascunho, pelo menos para eu ter uma ideia de como funciona o altar lá, como funciona o vitral aqui, como funciona, para eu ter uma ideia, trabalhando já no ambiente espacial, virtual e não imaginando um ambiente virtual que é muito complexo para ser imaginado na sua totalidade toda sua potencialidade.

Juliana Mendes: Pensando que principalmente se houver um programador envolvido se você vai mais para o lado game mesmo, de jogo, o processo de escrita deve ser muito mais participativo com outros membros da equipe.

Rafael Leal: Sem dúvida, no cinema é muito comum que depois que eu entregue o roteiro eu nunca mais volte a falar do projeto, entregou, acabou, dificilmente o roteiro volta depois que ele foi aprovado, se alguém tiver que mexer, o diretor mexe, alguém mexe, sei lá quem mexe. No processo de realidade virtual pelo contrário, o roteiro vai e vem, porque muita coisa tem que ser testada, tem muitos outros profissionais que contribuem para essa "roteirização", o design de narrativa ou o design de interação.

Daniel Furtado: O design de interação é a vertente do design que projeta o comportamento dos artefatos interativos, então a gente projeta como que um artefato interativo que você pode, por exemplo, ter um botão naquela interface, que quando você aperta aquele botão aparece uma janela para você dizendo você precisa estar logado para fazer isso, então isso é um artefato interativo, quer dizer, quando eu faço alguma interação, ele me devolve um feedback da ação.

Rafael Leal: São idas e vindas muito mais frequentes do que no audiovisual tradicional. Tem um conceito que até trabalho na tese, o conceito trabalhado pelo Steven Maras que é um pesquisador australiano, um dos mais importantes do campo do estudo do roteiro, e o Maras fala em escritura audiovisual, que é um conceito que amplia o universo do roteiro para outros profissionais, por exemplo, ele traz lá do Derrida do Gramatologia, os exemplos da fotografia e da coreografia, entre outros, que são a arte do corpo, a arte da luz, mas que contém esse sufixo grafia, que denota uma escrita. Então escrever com a luz, escrever com corpo, com Derrida e também pro Maras, representam parte do processo de roteiro de escritura audiovisual, que não são parte desempenhadas pelo roteiristas e isso promove ou estimula uma abordagem do roteiro mais como processo do que como documento, tem um outro conceito chamado ideia audiovisual, do Ian W. Macdonald, um dos fundadores do SRN que é o conceito de ideia audiovisual que é uma ideia dinâmica que parte do primeiro impulso criativo até a obra final e de onde quem os roteiros são meros fotogramas, é um estado de desenvolvimento num determinado momento o roteiro, mas a ideia audiovisual é um processo dinâmico com o qual muita gente contribui, que ele chama de grupo de trabalho audiovisual, que não inclui só os roteiristas e criadores, inclui outros profissionais também, os próprios produtores, as pessoas de tecnologia, os produtores de locação, muita gente trabalha nessa ideia audiovisual até ela virar um filme ou uma série ou um VR. Então eu tentei trazer para a tese uma abordagem mais contemporânea do roteiro e menos apegada ao documento material e mais interessado no processo e nas transformações que essa ideia audiovisual vai sofrendo até se consolidar em uma obra.

Leyberson Pedrosa: Dentro disso ainda tem uma pergunta assim, se essa modificação também não traz o roteirista como um pouco diretor, se no mundo um pouco das configurações atuais, que tendo ou não na produção de visual você tem muito a organização muito perfeita para poder o produto ir para frente e com a complexidade isso talvez mude. Então fica a primeira pergunta e a segunda já avançando um pouco mais, se pudesse falar também da relação da forma da linguagem de escrever, se você está escrevendo em primeira pessoa, em segunda, em terceira, contar um pouco como isso altera a percepção da narrativa imersiva.

Rafael Leal: No cinema a figura que tem essa centralidade criativa tende a ser a figura do diretor ou diretora, há uma tendência, no Brasil isso se consolidou de maneira muito forte, pela nossa própria trajetória durante os anos da Embrafilme, em que muitos diretores também eram roteiristas dos seus filmes, também eram donos da produtora, o cinema é visto como um campo onde o diretor ou diretora predominam, na realidade virtual, nas narrativas imersivas interativas, não há tanto campo para o roteirista, então eu percebo, por exemplo, a necessidade de dirigir também as minhas obras, de desempenhar as duas funções. Por enquanto não há nem volume de equipe, nem especialização suficiente que justifique essa separação, que justifique um profissional específico. Agora no audiovisual tradicional, a televisão não é centrada no diretor ou na diretora, a televisão tem sido centrada na equipe de roteiro, no Brasil, por exemplo, se você observar na TV Globo, a ascendência dos autores de novela dentro do processo produtivo e na televisão nos Estados Unidos, por exemplo, os roteiristas assinam como produtores, o episódio está aprovado, o roteirista desse episódio acompanha o processo inteiro até a finalização, para que o diretor ou a diretora que esteja dirigindo, dirija aquele episódio, porque não adianta liberdade criativa que fira um nexo de continuidade da série, a série tem uma história no macro sendo contada por uma equipe, então, as outras equipes precisam respeitar o roteiro e aí há menos espaço para improvisos e transformações do roteiro no set e se houver uma mudança dessa, há um roteirista produtor sentado junto do monitor que pode averiguar, avalizar essa mudança, ela não pode ser aleatória, porque depois a conta não fecha, a série vira uma colcha de retalhos. A segunda pergunta que você falou sobre a questão da pessoa é bem complexa também, é bem interessante e complexa, porque no roteiro de cinema tradicional não existe primeira nem segunda pessoa, não existe eu, não existe você, o roteiro descreve o que acontece na tela e nem eu nem você estamos na tela, então só resta a terceira pessoa, quando algum roteirista principalmente roteirista iniciante no Brasil recorre a primeira pessoa do plural, ouvimos o som de um tiro, não o sujeito não somos nós, o sujeito é quem ouve o tiro, ou é o tiro, um tiro ecoa na noite. No caso da realidade virtual, das narrativas imersivas interativas nós podemos estar no roteiro, eu prefiro não utilizar a primeira pessoa, a menos que seja uma coisa específica do projeto, em geral eu prefiro falar com você, eu chamo isso na tese de modo performativo, você faz isso, você faz aquilo e eu alio isso a um outro modo textual, que é o modo condicional, se você for bater na porta, poderá ver isso, isso e aquilo, se você fizer isso, se você pegar, aí eu trago para o texto linear essa capacidade condicional que é fundamental para eu desenhar uma narrativa interativa, isso evoca, por exemplo, algumas experiências de escrita de roteiro lá das primeiras vanguardas, lá, por exemplo, do Dziga Vertov, O Homem com a Câmera, que ele escreve muito assim, se você olhar um roteiro do Vertov provavelmente você vai acha-lo o mais parecido com o poema do que com um roteiro como nós conhecemos hoje. Ele adota bastante esse modo performativo para oferecer ao leitor do roteiro uma ideia do que seria de ver o filme, muito menos ligado a ideia que se consolidou como hegemônica de que o roteiro descreve o que vai na tela, como uma série de instruções para a equipe que vai produzir essas imagens e esses sons. Então eu prefiro escrever a realidade virtual em segunda pessoa e não em primeira, tenho me afastado da frialdade da terceira pessoa.

Juliana Mendes: Pensa que a gente pudesse falar um pouco mais de exemplos concretos pros nossos ouvintes e eu acho que é um senso comum, que pode ser bem questionado, de que esses filmes eles vão ser divertidos, vão ser leve, é para interagir, vai usar muitas funcionalidades, muitos botões do óculos e o Depois do Silêncio ele faz todo sentido ser uma narrativa imersiva e ele não usa, vamos dizer, todas essas bugigangas.

Rafael Leal: Não, super concordo, os filmes mais impactante que eu vi você não precisa usar botões ou nada demais, o Kusunda, por exemplo, que eu mencionei, não me lembro se precisava botão, nada disso, você fala com a voz e assiste ali a história, é incrível, é leve, o A linha, também é muito simples a interação dele, você puxa botões, aperta, tudo virtual, o A chave, também, muito simples nesse sentido a imensa maioria das experiências que eu vi não depende de uma grande habilidade apertando botões, quanto mais de você exige da jogabilidade, mais você aproxima a experiência do jogo, se afastando do filme. Então essa tensão entre filme e jogo, para usar o nome técnico, esse paradoxo ludonarrativo dele decorre que as narrativas tendem a não explorar grandes complexidades de interação, mas de buscar maneiras simples e eficientes de produzir um impacto, de afetar o espectador em um lugar sem que ele se perca ali na interação sem conseguir sair de um lugar. Então nesse sentido eu acho que muitos filmes não vão ser leves, vão ser pesados, outros vão ser leves, divertidos, o Pearl da Pixar é lindinho, uma gracinha de filme, mas aí tem por exemplo o filme da Ane Frank que é pesadíssimo, então a temática é muito grande, a amplitude temática da realidade virtual, tem gente do mundo inteiro produzindo isso, gente de todas as origens, tem um filme brasileiro, por exemplo, chamado Na pele, produzido pela Coqueirão que rodou bastante também os festivais, foi pro festival de Rotterdam e que é um filme que fala sobre a experiência de passar por um conflito numa comunidade carioca, uma série de conflitos. Eu assisti a um outro, por exemplo, não vou dizer qual é pra, mas um filme que não estava pronto direito aparentemente, a gente não conseguiu entrar lá no ambiente, a gente ficava na porta e apertava o botão, entrava, abaixava e não conseguia avançar, nem eu conseguia, nem a minha namorada que estava comigo não conseguiu também, a gente ficou ali meio preso e aí foi um pouco frustrante da gente não conseguir ali com a nossa jogabilidade ali avançar. Isso é uma lógica do videogame, se você não tiver essa habilidade x você não vai passar essa fase, se você não conseguir atingir sem ser atingido ou fazer isso tão rápido, você não vai passar de fase, e aí você colocar isso em um filme gera uma certa frustração, então a gente precisa tomar cuidado, você vê mesmo que esses filmes que viajam mais acabam tendo uma navegação bastante simples para que seja bem acessível, principalmente nesse momento em que ainda não há uma cultura de fruição consolidada, quando as pessoas iam ao cinema lá no início do século XX, no final do século XIX, um regime cinematográfico que o Tom Gunning chama de cinema de atrações, as pessoas iam em busca da imagem em movimento, do deslumbramento com a imagem em movimento, tem um filme, inclusive, 1904, se não me engano Uncle Josh at the Moving Picture Show, tio Jorge e o show de imagens em movimento, em que o tio Josh é um caipira que vai ao cinema e sobe no palco, quer entrar no palco para salvar a donzela que está lá em perigo, que representa ainda de uma forma que pra nós hoje é muito estereotípica, mas que eles era muito real, uma falta de conhecimento, discernimento, entre o estatuto das imagens reais e das imagens fílmicas, então ele sem saber dessa diferença, ele trata as imagens fílmicas como reais, com a consolidação das histórias, começa a se desenvolver uma cultura de fruição, que varia de lugar para lugar, em alguns lugares você pode assistir o filme no silêncio absoluto, em outro lugares, é parte da cultura de fruição, das pessoas rirem, agirem coletivamente, gritarem, fazerem uma piada, um comentário, interagirem com a obra, são cultura de fruição diferentes que existem pra assistir o cinema, mas são consolidadas, são regionais, não são universais e são consolidadas, para realidade virtual, para as narrativas imersivas interativas ainda não existe uma cultura de fruição consolidada, muitas pessoas estarão vendo VR pela primeira vez, ou estarão vendo essas novas possibilidades de interação pela primeira vez, porque quem viu um Card Board quatro anos atrás e pega um Quest 2 agora, é quase como se fosse a primeira vez de novo, não tem uma herança, já aprendi agora já sei. Então conforme essa cultura de fruição for se consolidando, eu acredito que potenciais também de novas obras explorando outras possibilidades de interação vão se multiplicar. Pro depois do silêncio, quando eu escrevi a primeira vez, eu escrevi como um filme linear, uma coisa, depois a outra, depois a outra, leva uma das coisas mais interessantes da realidade virtual no momento é a possibilidade de te levar a um lugar que você nunca foi antes. Então, por exemplo, Cartas a Lumière que é um filme do Fabiano Mixo, diretor brasileiro, Cartas a Lumière te coloca no alto de um trem no pátio de manobras da Central do Brasil, onde você nunca esteve, eu certamente nunca estive, e aí dentro dessa proposta, eu escrevi um filme que se passa dentro do cemitério judaico de Inhaúma o cemitério que tem uma história peculiar, porque ele foi criado pelas polacas, que foram mulheres traficadas pro Brasil vítimas de tráfico humano, de exploração sexual, que a despeito disso, da tragédia da vida delas se organizaram, criaram associações mutualistas de ajuda, criaram o próprio cemitério, a própria sinagoga, uma história lindíssima, apesar da tragédia que a perpassa. Em homenagem a elas eu criei três personagens que estão ali, uma criança, que canta uma cantiga de ninar em iídiche, uma adulta que desabafa com a amiga falecida, diante do túmulo da amiga e uma senhora de idade que reza o kadish dos enlutados, que é uma oração judaica pelos mortos. Então é realmente uma ideia de experiência, de ouvir o iídiche, de ouvir o hebraico, de ouvir o português, de estar ali nesse momento íntimo, em um lugar que você não acessa, um lugar que não é aberto a visitações. Quando eu reescrevi o roteiro, eu falei bom, você pode não assistir nessa ordem, você pode assistir em outra ordem, então para onde você para olhar primeiro, deflagara a primeira história, então você pode assistir na ordem que você quiser. Depois que você assistir as três, deflagara a quarta parte que é o encerramento, os espectros se juntam e vão embora, não tem explicação, não tem off, não tem nada, não é para você entender nada, é para você experimentar, sentir aqui, essa é um pouco da proposta do filme, é uma proposta simples de interação? Isso que a gente chama de gaze and go, olha e vai, é muito simples, tem um filme, por exemplo, o Chama o Bloco, do Francisco Almendra e Nelson Porto, do estúdio KwO, você bota o óculos, você está em Paquetá, vazio, se você começar a dançar, começa a aparecer um bloco em torno de você, que também é uma ferramenta de interação diferente e muito interessante, que te obriga a dançar se você quiser ver o bloco de carnaval, também é um mecanismo simples de interação, mas aplicado de uma maneira bastante sagaz e assertiva no filme, não é necessariamente a complexidade da interação que determina o seu envolvimento com a obra, mas o quão adequada essa interação é ao propósito da obra, ou seu efeito na experiência do interator, a experiência do interator é o elemento central, acho que essa é a principal diferença entre a escritura para o cinema e a escritura para narrativas imersivas interativas.

Leyberson Pedrosa: O Homem do Saco, que você coloca também, pelo menos uma curiosidade que eu achei foi a questão de que há a penas uma decisão do personagem, mas se ele não decidir, as coisas vão continuar acontecendo, e aí eu queria ver se fez sentido esse fato de que isso também ajuda a desassociar do jogo, porque fica lá e agora, decida, mas não, ali assim, o tempo acontece, aí o plot twist pra mim é o fato do personagem x voltar e mesmo que você não tenha saído do lugar, tipo é como se o mundo tivesse girado.

Rafael Leal: Uma narrativa que se você tomar decisão de acompanhar o personagem principal você vai ver ela se desvelar e se você decidir não acompanhar, você ficar parado e ela vai voltar até você, você vai comprar o resultado, vai acompanhar o som e vai acompanhar o resultado dela, também era uma experiência de não quero encher o teu saco, de decide agora, ou você decide espontaneamente ou não decide, a coisa vai, porque a pessoa fala assim, quanto tempo dura a experiência? De 15 a 50 minutos, é porque você pode decidir rápido e aí vai durar 15 ou você pode ficar esperando lá, e aí vai durar 50, uma hora, duas horas, ou sei lá quantas horas, para não ficar forçando o interator a tomar decisões, eu optei por esse regime, são duas opções agir ou não agir, e aí você pode ficar totalmente passivo e receber o ônus disso.

Juliana Mendes: Daí assim, o nosso tempo está esgotando, mas eu queria deixar o microfone aberto para coisas que a gente não te perguntou e também para você falar de projetos atuais e futuros, seja de produção, seja de pesquisa.

Rafael Leal: Tem um monte de artigo aí para ser publicado, pendurado ainda no prelo, livro para sair, então estou zero preocupado com pesquisa por enquanto, pesquisa mais formal acadêmica. Agora projetos sempre tenho muitos, vou começar uma série agora para um streaming, uma série criada por mim e por meu sócio, ainda não posso falar temática nem o streaming em si, mas uma série grande com muito das propostas estéticas e políticas que marcam a nossa parceria na Dédalo. Estou desenvolvendo um projeto de realidade virtual sobre o fim da escrita, chamado O mundo depois da escrita, que bebe também nessa filosofia flusseriana que baseia muito do último capítulo da minha tese sobre a decadência da linguagem escrita, é um filme, uma experiência imersiva que percorre a criação do alfabeto, a consolidação do alfabeto e a sua decadência e as suas aplicações na própria realidade virtual. Estou muito interessado nesse tema, ainda é um desdobramento da tese que eu estou trabalhando, começando a mandar para os laboratórios, para os mecanismos de financiamento, fazer pitching pra produtoras para tentar viabilizá-lo.

Leyberson Pedrosa: Então, Rafael, a gente agradece bastante a sua participação e torcendo aí para novas possibilidades, também, e novos incentivos para que se explore mais essa área.

Rafael Leal: Bom, muito obrigado pelo convite, Leyberson, Juliana, fiquei muito feliz de falar com vocês, acho o podcast muito legal e fico muito feliz de participar.

Leyberson Pedrosa: E a gente encerra o episódio avisando que o Dazumana está no YouTube e em várias plataformas de podcast: Spotify, Google podcast, Itunes e daqui a 15 dias a gente vai voltar com um novo episódio e quem quiser enviar sugestão é só mandar para o nosso e-mail que é voz@dazumana.com.

Juliana Mendes: Esse projeto é realizado com recurso do Fundo de Apoio à Cultura do DF. É isso, até a próxima, Dazumana, a ciência sem jaleco.


02:14 - BLOCO 1: ROTEIRO NÃO-LINEAR COMO OBJETO DE ESTUDO
Pesquisa aplicada à prática
Custos de produzir filmes em VR
O papel do interator no filme
Roteiro e tecnologia05:00 - BLOCO 2: EXPERIMENTOS EM REALIDADES IMERSIVAS
Primeiros roteiros em VR
Proximidade com a programação
Poucos mecanismos de fomento
Flerte com o mundo dos jogos
Realidade aumentada como promessa14:45 - BLOCO 3: A LIBERDADE DO INTERATOR
Fetiche do controle do espectador
Novos recursos de interatividade
Exemplo do filme Kusunda (Nepal
Exemplo do filme A Chave (nacional)

22:45: - BLOCO 4: CONCEITOS
Formato tradicional x escrever em ambientes virtuais
Softwares de roterização
Design de interação
Escrita audiovisual
Ideia audiovisual

27:23 -BLOCO 5: ESCREVENDO PARA PARA VR
Participação diretiva do roterista
Como descrever as ações no roteiro
Paradoxo ludonarrativo
Fruição no VR

35:40 - BLOCO 6: PROJETOS PESSOAIS
Filme do Cemitério
Filme o Homem do Saco
Perspectivas


FICHA TÉCNICA:
Entrevistada: Rafael Leal
Pesquisa e locução: Leyberson Pedrosa e Juliana Mendes
Gestão e Produção executiva: Carolina Villalobos
Redes sociais: Gabriella da Costa
Montagem: Leyberson Pedrosa
Edição: Thais Rodrigues
Voz dublada do ancião Kusunda: Jairo Faria
Voz dublada da jovem Kusunda: Patrícia Serrão
Site: Vinicius Cortez
Desgin gráfico: Diana Salu
Ilustração: Juliana Mendes
Transcrição: Audiotext

CRÉDITOS:
Trilha sonora em CC - Little hymn de Stefan Kartenberg (http://ccmixter.org/files/JeffSpeed68/61297)
Efeitos sonoros - Audio Library do YouTube (https://www.youtube.com/audiolibrary)

Efeitos sonoros - Pixabay (https://pixabay.com/sound-effects>Pixabay</a>)
Vídeo 1 (comentário): TCC sem drama - Pesquisa básica ou aplicada?(https://youtu.be/uuAtv_jP6hA)
Vídeo 2 (comentário): Crie seus jogos - O que é uma game engine? (https://youtu.be/wmNj721B6aY)
Vídeo 3 (comentário): playermushroom - Os melhores apps o Googlecardboard (https://youtu.be/FCNqmd4wFJ8)
Vídeo 4 (trailer): StudioNICE -  Kusunda (Official Trailer) (https://youtu.be/H-UecwbPdP4)
- Voz dublada do ancião kusunda: Jairo Faria
- Voz dublada da jovem kusunda: Patrícia Serra
Vídeo 5 (comentário): Design de interação (https://youtu.be/7TVP7oxjl1U)